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Neste ano, um edital da Lei Paulo Gustavo abriu inscrições para o financiamento de longas-metragens em São Bernardo do Campo (SP). Apesar de possuir uma das maiores produtoras da cidade e um currículo extenso, o projeto do cineasta Newton Cannito ficou quase em último lugar. Seu aparente pecado? Apresentar um roteiro intitulado “As Aventuras do Menino Jesus”.

O projeto de lei 2939 tramita no Congresso hoje em resposta à percepção, compartilhada por produtores do setor audiovisual, de que comissões avaliadoras exercem censura velada a projetos com temática cristã. Caso aprovado, templos católicos, protestantes e de outras tradições serão reconhecidos como pontos de cultura, permitindo a submissão de projetos às leis de incentivo Aldir Blanc, Paulo Gustavo e Rouanet.

Cannito, que foi secretário do Audiovisual no governo Lula 2, é uma figura atípica para alguém com doutorado em cinema pela USP. Ele contrasta com o padrão do intelectual de esquerda que, no melhor dos casos, enxerga a religião como um fenômeno social relevante. “Desde criança, sempre fui fanático religioso, rezo pra caralho”, afirma.

Sua religiosidade tem origem no catolicismo popular do ABC paulista nos anos 1970, que mistura a Teologia da Libertação com a religiosidade encantada trazida pelos migrantes nordestinos. “Era muita caridade, Ariano Suassuna, movimento de mães. É a base antiga do PT, que continua no meu coração.”

Na adolescência, após ler Nietzsche e entrar num buraco negro existencial, achou resgate nas religiões amazônicas. “Estava entrando num caminho de drogas, ia dar merda. A ayahuasca me salvou. Me fez voltar a rezar.” Sem tirar um pé do catolicismo, ele não hesita em buscar soluções conforme a necessidade.

“Tive crise de pânico e me internei 15 dias numa igreja evangélica fanática. Não tem ninguém melhor para fazer desobsessão”, conta. “Tem hora que o livre-arbítrio vira inimigo. Depois volto para a minha casa, que é o cristianismo popular.”

Cannito não se intimida em desafiar as fronteiras entre sagrado e profano. Há cinco anos, ele e amigos fundaram o grupo de estudos Deus é Humor. É brincadeira e é sério. “Fizemos o velório da minha mãe com comédia ‘stand-up’. Ela era devota do Deus é Humor, e o Márcio Américo, um humorista foda, fez a eulogia tirando sarro dela. Foi como ela queria.” O evento foi noticiado nesta Folha.

Voltando ao edital mencionado no início. Cannito cita Lauro Jardim (28/11): 94% dos projetos patrocinados pela Petrobras até 2027 focam em temas “woke”. Não estaria escrito, mas, para ser contemplado, o roteiro deve denunciar a opressão de homens brancos heterossexuais contra indígenas, negros e pessoas LGBT. “Isso é uma seita, é o ‘chatanismo’, o inferno dos chatos. Como A Viena do (João) Calvino: uma paranoia, tudo controlado, tudo ofende.”

Para Cannito, a obra-prima deste século é o desenho South Park. “Eles são o Aristófanes dos dias de hoje, satirizam nossas loucuras enquanto mostram momentos de transcendência.”

E é a partir de referências como essa, onde palhaços, profetas e hereges se confundem, que ele desafia: “Me cancelem. Cancelamento virou vantagem competitiva”.


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