“Wicked”. Schopenhauer não concordaria, mas é um bom filme. Contudo, cautela: sem ter visto “O Mágico de Oz”, de 1939, ou o musical de 2003, é duro entendê-lo. Até porque, com 2h40 de duração, ele para no meio. É a primeira parte.
De todo modo, é uma oportunidade de conhecer Ariana Grande, a Barbie de carne e osso que canta como uma sereia e, entretanto, é superada por Cynthia Erivo.
Elas fazem a loira Glinda e a verde Elphaba no musical que, ao ludibriar o maniqueísmo, se recusa a rotulá-las de boas ou más —mas açoita o racismo, a segregação, o maltrato de animais e, como se não bastasse, caçoa dos universitários ianques. Referências à vida real não elucidam a excelência de “Wicked”. Ela está nas coreografias, nos figurinos, nos cenários, no desvario visual e, mais que tudo, na música contagiante —são muitos os que saem do cinema entoando “I Hope You’re Happy Now”.
“O Quarto ao Lado”, As cores berrantes de Pedro Almodóvar aquecem a tela; tudo bem que o filme seja em inglês, pois não tem nada de espanhol; e Tilda Swindon exibe aquele rosto. Mas é de péssimo gosto igualar uma doente terminal que se suicida à humanidade que morrerá devido à crise climática.
“Marcello Mio”. O caso entre Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve foi a coqueluche (gíria da época) do início dos anos 1970. Garboso e prendado, o casal personificava o cinema italiano e o francês, que também estavam no auge, tinham público e prestígio.
Enquanto o romance durou, atuaram juntos em meia dúzia de filmes anódinos e, Visconti seja louvado, logo esquecidos. A eles agora se soma “Marcello Mio”, no qual Catherine Deneuve interpreta a si mesma e Chiara Mastroianni, sua filha, faz o papel do pai, Marcello. Tenho certeza que Édipo adoraria o filme.
Ao acordar de um sonho com Mastroianni, Chiara encasqueta que viverá como ele. Passa a falar italiano, veste camisa branca, terno, Fedora veste camisa branca, terno e Fedora pretos (como em “Oito e Meio”), entra na Fontana di Trevi (“La Dolce Vita”), vai a um programa de televisão brega (“Ginger e Fred”).
O ator Fabrice Lucchini entra na tarantela e a trata como ao pai. Nicole Garcia diz que a atriz quer agredi-la. La Deneuve às vezes parece (com razão) a mãe de uma louca, e em outras age como se a filha fosse mesmo Mastroianni. Chiara é narcisismo duro e xucro.
“Mio Marcello” não é de todo tolo graças a Fabrice Lucchini. Pelas tantas, ele diz que o verdadeiro ator é normal: não chama atenção para si porque é assim que pode interpretar várias pessoas. E define Mastroianni com um adjetivo perfeito: indolente. Nosso Marcello não se achava, sequer se esforçava, oscilava entre descaso e timidez. Era normal, um grande ator.
Festival Zé do Caixão. Não acredite nos críticos americanos que puseram José Mojica Marins num altar. Ele filmou sua —vá lá— obra com insuperável desmazelo, e não há restauração que lhe dê jeito. Seu filme menos abrutalhado é “A Meia-Noite Levarei tua Alma”, no qual estreia Zé do Caixão, um ectoplasma de unhas longas e ideias curtas.
“A Favorita do Rei”. Chega aos píncaros do passadismo aclamando Luís 15, o bem-amado, numa fita que, da primeira à última cena, se passa no Palácio de Versalhes.
É nele que desliza, qual aveludada pantera, a primeira concubina do rei, a lúbrica Madame du Barry. Como hoje costumes importam mais que política, ela é a coquete de um conto de fadas feminista, a Gata Borralheira que sobe na vida porque é valorosa, e não uma calejada meretriz.
Nesse frufru de seda e cetim, a política é relegada à ultimíssima frase do letreiro, a que informa que Madame du Barry, bem-amada biscate, foi guilhotinada por conspirar contra a Revolução.
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“O Conde de Monte Cristo”. Vide o verbete acima, mas troque o século 18 pelo 19 e interne Bonaparte na ilha de Elba, quando o ingênuo Edmond Dantès, injustamente acusado de agente do imperador, é preso em outra ilha. A enésima adaptação do romance de Alexandre Dumas não altera a história da sétima arte, mas é um passatempo ameno.
“Gladiador 2”. Favor não falar na sabedoria dos velhos. Ridley Scott dirigiu “Os Duelistas” com 40 anos. Aos 82, transformou o Coliseu num Piscinão de Ramos cheio de tubarões.
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