“Acredite Se Quiser.” Na finada TV Manchete —e uso o termo “finada” de propósito, como quem prende o espectador antes de um intervalo—, esse era o programa favorito dos curiosos analógicos pré-
internet. Apresentado pelo ator Jack Palance numa “versão brasileira Herbert Richers”, prometia “o estranho, o bizarro, o inesperado”.
Através de um televisor de tubo instalado na sala de estar da infância, tornou-se minha primeira janela para o mundo. Inspirando futuras aventuras, tais como viajar em busca de pessoas que são apenas osso. E não, não me refiro a musas fitness oufamosas com distúrbios alimentares.
Ossuários sempre foram minha praia, posto que não ligo para Ibiza. Troco facinho qualquer ida à Disney pelas catacumbas de Paris ou por uma passada em Hallstatt, na Áustria. A dois pulinhos de onde a noviça rebelde rodopiava encontra-se uma comovente coleção de crânios pintados com flores, nomes e as datas em que todos ali morreram, mas passam bem como mórbidos e belíssimos ornamentos.
Minha primeira incursão junto a tíbias e fêmures decorativos foi em Kutná Hora, na República Tcheca, numa capela que do chão ao teto transformou mais de 50 mil esqueletos em arquitetura e mobiliário. Com direito a um lustre composto por 100% dos ossos do corpo humano, inclusive o do dedinho que em vida tanto batemos nas quinas.
Em Évora, atravessei pensativa o famoso portal dos dizeres “nós, ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos”. Não apenas porque em meio a fragmentos de antigos portugueses estão alguns bons tataravós, mas por questionar como hei de chegar aos próximos séculos —já que hoje mesmo não me sinto lá muito inteira.
Uma sensação confirmada pelos capuchinhos de Roma, que tão bem me receberam em sua cripta. De pé, montados à guisa de beatíficos Legos humanos, causam inveja a qualquer paciente de quiroprata.
O que me fez chorar genuinamente durante o tour, não só por tal delicadeza macabra, mas pelo vrau em forma de “memento mori”. “Aquilo que vocês são, nós éramos; aquilo que nós somos, vocês serão.”
Agora, por mais viajante que eu seja, reside a poucos quarteirões de casa a minha história favorita. Na praia da Saudade, hoje aterrada aos pés do Pão de Açúcar, havia um cemitério cujas sepulturas eram reviradas pelas ressacas do mar. Conta-se que, por entre ossos à mostra e misturados, foi o cão do poeta Álvares de Azevedo quem identificou o saudoso dono. Acredite… Se quiser.
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