Cuidado! Parte da imprensa resolveu adotar, no domínio da política, a estrutura de pensamento e a lógica que condescendem com estupradores e que punem moralmente pessoas estupradas pelo crime de que são vítimas. Pois é… Este é o país em que vieram à luz duas PECs pró-estupro. Uma prevê pena de prisão à mulher violada superior àquela a que seria submetido o violador — se preso e condenado. A outra, na prática, legaliza a pedofilia, mas não em qualquer caso: apenas se a criança engravidar. É a terra devastada. Este é o país, em suma, em que um deputado chegou a afirmar que não estupraria uma colega porque ela não seria merecedora de tal “dádiva”. Ele se tornou presidente da Republica sem responder pelo crime de apologia do estupro. “A cadela do fascismo está sempre no cio”.
“Tomou muito sol na testa, Reinaldo? Esqueceu de usar boné, e o cérebro derreteu?” Não. Um juízo, qualquer um, pode ser submetido à sua essência estrutural, independentemente dos protagonistas e antagonistas da “narrativa” — palavra que é aqui empregada em seu sentido denotativo, não como sinônimo de mera versão, geralmente falsa, a exemplo do que fazem os fascistoides.
O CASO
Bolsonaristas, notadamente o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), como sabem, falsificaram o sentido e o propósito de uma normal da Receita Federal sobre o Pix e espalharam a mentira de que o governo usaria essa modalidade de pagamento para quebrar o sigilo bancário dos usuários e para implementar uma taxação do serviço.
A farsa “pegou”. Nas duas primeiras semanas de janeiro, houve uma queda de 15,3% nas transações bancárias desse tipo. Entre dezembro e 16 de janeiro, diga-se, o “UOL Confere” desmentiu nada menos de 19 notícias falsas sobre economia que se espalharam nas redes. É claro que não se mente de graça. Há sempre uma razão. Os que usam “fake news” como instrumentos no debate público estão em busca de benefícios econômicos ou políticos — ou ambos.
Para espanto da decência, mais o governo apanhou de setores importantes da imprensa, incluindo alguns e algumas “analistas”, do que a canalha. Houve até quem elogiasse, acreditem!, a esperteza do tal Nikolas. Esse rapaz “operoso” estaria, segundo essa versão, apelando a expedientes que seriam próprios da política. Pouco importa se o que espalhou era verdade ou mentira. Os teóricos do “bolsonarismo moderado” decidiram naturalizar a esbórnia. No caso de fazerem alguma reprimenda, prestem atenção!, a delinquentes, esta sempre vem acompanhada de um ataque feroz à esquerda. Assim, o bolsonarismo até pode não prestar, mas a culpa sempre será dos… petistas.
Brotou um impressionante caudal de textos e comentários não a pedir a punição aos criminosos — embora dissessem que aquilo era coisa feia, claro! —, mas a especular sobre a razão de a mentira ter prosperado. Um raciocínio mazelento, constituído de valores escabrosos, só pode levar a uma conclusão repugnante. E ela veio: “Ora, se colou, então é porque o governo já estava com problema. Tivesse boa reputação e fizesse as coisas direito, a patranha de Nikolas e de sua corriola não teria vicejado”.