Como boa mãe millennial, quando minha filha completou um ano, escrevi um post no Instagram.
Na foto que ilustra o post, estou deitada na cama do hospital, o rosto suado do esforço do parto, os olhos fechados e os cílios molhados das lágrimas que caiam sem cerimônia.
Ali sobre o meu peito, enrolada como se ainda estivesse dentro de mim, estava ela. O pouco cabelo ainda grudado na cabeça, o vérnix ainda pintando de branco pedaços de seu corpo. Na foto não é possível ver seus olhos, mas estavam abertos, duas bolas grandes e cinzentas que me fitavam com a tranquilidade de quem encontra alguém que conhece há muito tempo.
O texto que acompanha a foto diz: “Ontem fez um ano do nosso encontro. Lembro perfeitamente da sensação de te sentir no meu peito pela primeira vez. No meio do turbilhão confuso de sensações, afogada no êxtase da ocitocina, lembro de dizer pra mim mesma: estou pronta pra morrer por alguém.”
Cinco anos se passaram e a constatação daquele instante nunca me abandonou. Pelo contrário, a cada dia, a certeza de que daria a minha vida pela dela se fortalece. A sensação é física. Basta pensar no assunto que sinto meu corpo entrar em modo de alerta, pronto para se jogar sem hesitação na frente de qualquer trem, tiro ou tsunami que venha em sua direção.
Sei que isso não me faz especial, me faz apenas mãe, apenas mais uma mãe, mais uma mamífera pronta para morrer por sua cria.
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Mas nesta semana, navegando na mesma rede em que postei minha grandiosa porém banal constatação, fui confrontada com uma provocação dessas que fazem valer a pena o oceano de chorume que se tornaram as mídias sociais.
O post não tinha foto. Apenas um quadrado de fundo branco com palavras escritas em preto:
“Eu morreria pelos meus filhos” Ok, mas você viveria por eles? Faria melhores escolhas? Deixaria de beber? De fumar? Cuidaria de si mesma física e mentalmente? Seus filhos não precisam que você morra por eles. Eles precisam que você viva.”
Pá. O som seco do tapa na cara. Larguei o telefone por um momento, meu cérebro imediatamente lembrando que, naquela manhã —como em 90% das que vieram antes— eu havia decidido que não queria fazer exercício, que preferia sentar no sofá e procrastinar. Naqueles minutos que se seguiram ao fatídico post, montei um filme de terror na minha cabeça feito das melhores cenas dos meus piores hábitos. Das noites na cama com o celular na mão, do excesso de trabalho, da falta de pausa, da postura terrível na frente da tela, da indulgência do açúcar, do vinho. E da dor nas costas que não me abandona nunca, por que será?
Respirei fundo, me lembrando de que não é justo carregar mais essa culpa, que a gente faz o que pode para girar os pratinhos da vida e se manter de pé.
Naquela noite, depois de buscar as crianças na escola, deixei o celular na entrada de casa. Sentei no sofá com um filho de cada lado e li todos os livros que eles me pediram. Na hora de botá-los para dormir, cantei mais músicas do que de costume e demorei mais nos abraços de boa noite. Reouve então o telefone e, já deitada na cama, naveguei por memes até o sono chegar. Dormi depois da meia-noite e acordei exausta, mas às 8h30 já tinha feito meia hora de cardio.
Sigo com a certeza de que morreria por eles, mas também com a consciência de que quero viver mais e melhor por eles também. E por mim. Um dia de cada vez.
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