ATENÇÃO: Este texto contém gatilhos para pessoas sensíveis
O luto de uma mãe é, sem dúvida, uma das maiores dores que alguém pode experimentar. Perder dois filhos no mesmo dia é uma tragédia inimaginável. Mas foi o que aconteceu com a economista Helena Taliberti, 67. Neste sábado (25), a morte de Camila e Luiz completa seis anos. Eles foram vítimas do rompimento da barragem de Brumadinho (MG), que matou 272 pessoas. Três seguem desaparecidos.
O drama de Helena se intensificou quando ela soube que, naquela mesma situação, havia perdido também sua nora, grávida do seu primeiro neto, “que nunca tive a chance de segurar nos braços”.
No relato abaixo, ela conta como tem lidado com esse luto quádruplo e da dor solitária que carrega consigo todo os dias, “uma ausência que nunca deixará de doer”. Mesmo nessa situação tão intensa, ela reuniu forças e criou o Instituto Camila e Luiz Taliberti “para transformar a dor da perda em ações concretas”.
Leia abaixo o depoimento de Helena, presidente do Instituto Camila e Luiz Taliberti. Ela é mãe de Camila e Luiz, sogra da Fernanda e avó do Lorenzo, vítimas de Brumadinho.
Seis anos sem meus filhos: o luto de uma mãe e a busca por justiça
No dia 25 de janeiro deste ano, completam-se seis anos desde o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), uma tragédia que ceifou 272 vidas, entre elas as de meus filhos Camila, 33, e Luiz, 31, além de minha nora Fernanda, 30, que carregava no ventre meu neto, Lorenzo, com cinco meses de gestação. Esse dia não é apenas o marco de uma catástrofe ambiental e humana; para mim, é o início de uma ausência que nunca deixará de doer.
Não há palavras que consigam expressar o que é, para uma mãe, perder um filho. Imagine perder dois, junto com uma nora que já fazia parte da nossa família, e um neto que nunca tive a chance de segurar nos braços.
O luto materno é uma dor solitária, algo que nem mesmo o tempo alivia. Com o passar das horas, dias, meses, anos, continua ali, constante, um vazio, um silêncio me acompanhando. Essa tragédia não foi um acidente; foi o resultado de uma série de decisões fundadas no descaso.
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Poderia ter sido evitada se os alertas tivessem sido ouvidos, se a ganância por produtividade e lucro não tivesse sido colocada acima da vida. E, agora, o que nos resta é transformar essa dor insuportável em luta; e a memória dos que perdemos em algo que nos mova, em ação.
As investigações mostraram que as falhas de segurança na barragem eram conhecidas antes do colapso e, de acordo com a Agência Nacional de Mineração (ANM), informações críticas foram escondidas. Essas omissões impediram que medidas preventivas fossem tomadas e as recomendações de manutenção da barragem não fossem implementadas a tempo.
Esses fatos me angustiam, pois mostram que tamanha devastação poderia ter sido evitada e que meus filhos, assim como os de muitas outras mães, e todas as vítimas poderiam estar aqui, vivos. O que aconteceu em Brumadinho é o retrato de um sistema que prioriza o dinheiro em detrimento da vida humana e do meio ambiente. Escancara como a falta de fiscalização efetiva e a negligência corporativa contribuíram para o pior desastre socioambiental da história do Brasil.
Passados seis anos da tragédia, nenhuma das muitas pessoas e empresas que participaram das decisões que resultaram no rompimento da barragem foi devidamente responsabilizada. A memória dos que se foram exige justiça e mudanças urgentes. Não podemos permitir que essas vidas tenham sido perdidas em vão.
O país já viveu outras tragédias causadas pela mineração, como o rompimento da barragem em Mariana, em 2015, um desastre que deixou um rastro de vidas perdidas e destruição ambiental, afetando comunidades inteiras e causando danos irreparáveis.
Esses episódios mostram um problema estrutural e persistente no setor de mineração, que, apesar de tudo o que já aconteceu, continua sendo tratado com descaso pelas autoridades brasileiras. Mariana foi a sirene de Brumadinho que não foi ouvida.
Os números do mercado de mineração no Brasil e no mundo apenas reforçam essa realidade. A expansão desenfreada da atividade, muitas vezes pautada exclusivamente pelo lucro, ocorre sem a devida responsabilidade social e ambiental.
O resultado? Um rastro de desmatamento, poluição de rios, esgotamento de recursos naturais e impactos profundos na saúde e no bem-estar das comunidades. Esses dados não deixam dúvidas: o modelo atual é insustentável e precisa ser urgentemente revisto para evitar que tragédias desse tipo se repitam.
Neste domingo, 26 de janeiro, a avenida Paulista será palco de um ato profundamente importante: o Ato por Memória e Justiça, promovido pelo Instituto Camila e Luiz Taliberti todos os anos, desde 2020.
Mais do que uma data para lembrar, este evento se coloca como um espaço para dar voz às vítimas e cobrar justiça. É um grito que ecoa na busca por responsabilidade e mudanças urgentes no modelo de mineração do país. Manter viva a memória dessa tragédia é um ato de resistência.
Em Brumadinho, neste sábado (25), além do ato na praça das Jóias feito pela Associação dos Familiares das Vítimas do Rompimento da Barragem (Avabrum), será inaugurado o Memorial Brumadinho, um espaço que materializa nosso luto coletivo e reforça nosso compromisso na luta para evitar novas tragédias.
Desde 2019, o Instituto Camila e Luiz Taliberti trabalha para transformar a dor da perda em ações concretas. Organizamos eventos, exposições, mostra de cinema, debates e iniciativas educativas que buscam conscientizar a sociedade e pressionar por mudanças no setor de mineração. Nossa missão é clara: memória, justiça e prevenção, para que nenhuma mãe tenha que viver a dor que carrego desde o dia 25 de janeiro de 2019.
Tentaram nos enterrar, não sabiam que éramos sementes!