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Li uma vez, em algum lugar, a teoria de que a música não teria o poder de influenciar as pessoas, uma vez que existem mais músicas falando sobre amor do que qualquer outra coisa e, mesmo assim, as pessoas não estão se abraçando e beijando e sendo legais umas com as outras no dia a dia, e sim discutindo, brigando, se agredindo e se matando.

Não sei exatamente por que, mas achei que era uma declaração do músico norte-americano Frank Zappa, nos anos 90, durante uma entrevista, respondendo a um questionamento de que o gangsta rap estaria tornando os jovens da época mais violentos.

Ao fazer uma busca no Google, não consegui confirmar a autoria da afirmação (e ainda descobri que o Zappa não apenas odiava canções de amor, como creditava as más condições de saúde mental dos norte-americanos ao fato de terem crescidos frustrados e iludidos pelas fantasias que jamais se realizariam cantadas em incontáveis baladas românticas).

Aí eu me pergunto: o amor está fora de moda? Talvez esteja. Não sou cria da geração do amor dos anos 60 e 70, mas sempre gostei muito das músicas produzidas nessa época e moldei muito do meu caráter embalada pelos refrões dos Beatles, que diziam que tudo que a gente precisa de amor, só pra começar. Eu ainda acho que eles têm razão, mas, aparentemente, este é um pensamento discordante nos tempos em que vivemos.

Tudo isso me veio à cabeça depois que, há poucas semanas, Mark Zuckerberg resolveu anunciar, sem maiores rodeios, que a sua poderosa Meta – dona do WhatsApp, do Instagram, da pouco frequentada Threads e da cada vez menos usada Facebook – vai parar de usar os serviços de empresas checadoras de fatos nos seus conteúdos.

A partir de agora, termos transfóbicos, homofóbicos, racistas e todo o tipo de esgoto mental da extrema direita podem circular livremente por todas essas plataformas. É a própria comunidade de usuários quem vai se regular, usando um sistema coletivo de notas muito parecido com o que já é utilizado há anos pelo X (o antigo Twitter), do não menos bilionário e nem menos asqueroso Elon Musk.

A primeira coisa que eu pensei foi: algum dia, de fato, regulou?

Boa parte da (ou talvez toda) enxurrada de mentiras que vem assolando o país e o mundo com um tsunami digital na última década passou pelos veículos da Meta, principalmente o WhatsApp, talvez o espaço mais fértil que exista hoje para teorias da conspiração malucas que questionam até leis elementares da física (com o inacreditável terraplanismo), interferem nos resultado de eleições e impulsionam golpes de estado (aqui e nos EUA, além de vários outros países) e questionam vacinas (que funcionam) ao mesmo tempo em que defendem remédios (que não funcionam).

Isso sem falar no descontrole dos algoritmos, que, no afã de vender o que quer que seja, a qualquer custo, estão tornando ainda mais difícil a fase já complicadíssima da adolescência aumentando muito os casos de depressão, anorexia e suicídio.

E como se esse ambiente já não estivesse inóspito o suficiente, os barões das big techs foram além. Para deixar ainda mais explícito o seu alinhamento à ideologia do novo governo Trump, cuja segunda passagem pela presidência dos Estados Unidos começou essa semana reunindo todos eles em uma cerimônia de posse distópica, a Meta também encerrou seu programa interno de diversidade e inclusão, juntando-se a outras gigantes norte-americanas como o McDonald’s, a Ford, o Walmart, a John Deere e a Amazon.

Não é uma opinião, e sim um fato, que o ódio remunera muito melhor do que o amor nas redes. Conteúdos falsos tendem a viralizar até 20 vezes mais rápido do que os verdadeiros, principalmente quando são radicais em suas afirmações contra minorias, quando incitam abertamente violência, ou quando oferecem soluções milagrosas denunciando conspirações governamentais.

E como estamos falando de problemas complexos, um bem grande surge em meio a todo esse assunto: como fica o trabalho de quem vive justamente das redes sociais?

Milhões de pessoas hoje em dia dependem diretamente da divulgação dos seus serviços e produtos no Instagram, WhatsApp e Facebook –isso quando não oferecem os próprios serviços e produtos dentro dessas estruturas. Eu já abandonei o X há algum tempo, e teria deletado o Instagram imediatamente se não fosse 200% dependente dele como fonte de trabalho. E não estou sozinha.

O recente podcast de Chico Felitti sobre a saída de Jout Jout das redes levantou a bola: o sonho da geração Z é poder trabalhar com internet, enquanto boa parte dos Millenials que obtiveram êxito no ambiente digital, gostaria de poder abandoná-lo por completo. Desistir de correr atrás desse algoritmo cada dia mais bizarro, que vem apodrecendo a cabeça de quem passa horas na frente da tela consumindo conteúdos adoecedores. Seria possível?

Será que teremos que voltar ao tempo dos blogs e sites pessoais? Seria otimismo demais pensar que, talvez, motivado por essa guinada terrível em direção ao abismo, as pessoas finalmente vão despertar desse transe e buscar alternativas? Gostaria muito de acreditar que sim.

Foto de Titi Müller

Titi Müller é apresentadora, podcaster, locutora, roteirista e turista profissional. Ex-VJ da MTV, é uma curiosa sobre cultura e comportamento humano