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As três indicações ao Oscar conquistadas por “Ainda Estou Aqui” encheram o país de alegria e orgulho, sentimentos mais bem-vindos que chuva no semiárido depois de anos de esculacho dos artistas brasileiros pelo bolsonarismo. Infelizmente, também o encheram de usos equivocados do verbo “nominar”.

Se em inglês se diz que o filme de Walter Salles foi “nominated” ao prêmio máximo de Hollywood em três categorias – melhor filme, melhor filme estrangeiro e melhor atriz para Fernanda Torres –, a tradução correta disso em português é a de que ele foi “indicado”.

No entanto, se é indiscutível o que recomenda a correção textual nesse caso, seria uma pena deixar de reconhecer que o erro de tradução abre novas portas à nossa compreensão da língua, como muitas vezes fazem os erros.

É o fato de mais de metade do vocabulário do inglês moderno ter origem no latim que faz com que se multipliquem casos como o de “nominar” – traduções preguiçosas feitas de ouvido para nosso idioma neolatino.

Na mesma categoria estão usos mais ou menos difundidos como os dos verbos “popular” (povoar, ou seja, preencher, geralmente em referência a dados num formulário) e “aplicar” (requerer entrada, candidatar-se a uma vaga), adaptações meio forçadas de “populate” e “apply”.

Mesmo se a gente deixar de lado a velha regra linguística de que o erro de hoje é muitas vezes – mas claro que nem sempre – a norma de amanhã, os casos de nominar e popular são curiosos.

Acabam apontando sem querer para o passado profundo da língua portuguesa.

Nominar, do latim “nominare”, é uma palavra vernacular dicionarizada com o sentido de “nomear, mencionar”. O Houaiss informa que se trata de termo formal, o que explica seu uso raro na linguagem do dia a dia.

Já popular, de “populare”, é um caso ainda mais curioso: sinônimo do verbo povoar, surgiu em português cerca de cem anos antes deste, no século 12, mas acabou por ele superado na preferência popular. Sua volta agora às bocas, via inglês, pode ser vista então como uma revanche tardia.

A história de popular tem alguma semelhança com a de “estória”, grafia que teve a palavra história durante muito tempo em nossa língua, nos séculos 13 e 14, antes de cair em desuso – para ressurgir cerca de cem anos atrás como anglicismo, adaptação de “story”, com o sentido de história folclórica, fabulosa ou inventada.

De todos esses casos, o de aplicar é o que abre mão de qualquer possível apoio no passado da língua. Trata-se de um puríssimo estrangeirismo semântico, como os estudiosos chamam as palavras do vernáculo que ganham sentidos novos por influência de um idioma estrangeiro. (Pense no verbo realizar com o sentido de compreender e no substantivo painel como grupo de especialistas reunidos para debater um tema.)

Em compensação, aplicar é provavelmente o mais saidinho da lista, o mais usado e, portanto, o que está mais perto de descolar uma vaga na norma culta do futuro, adicionando mais um sentido aos tantos que o verbo já arrasta nos dicionários. Mas convém deixar claro que os lexicógrafos ainda resistem aos apelos de sua cândida anglofilia.


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