Poderes e instituições têm tido divergências sobre medidas após as brigas de torcidas de Sport e Santa Cruz no sábado (1º) no Recife. Enquanto o governo de Pernambuco e o Ministério Público estadual têm posições semelhantes, o Judiciário e os times divergem sobre as visões dos dois órgãos.
Na noite de segunda (3), a Justiça acatou pedido do Sport para liberar a presença de torcida nos seus jogos. O desembargador Fernando Cerqueira, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, derrubou a restrição imposta pela governadora Raquel Lyra (PSDB), que anunciou, no sábado (1º), a proibição de torcida nos próximos cinco jogos de Sport e Santa Cruz, em alinhamento a uma recomendação do Ministério Público.
“A Lei Geral do Esporte estabelece que a responsabilização do clube por atos de torcedores pressupõe a identificação dos responsáveis e a demonstração de sua relação direta com a entidade desportiva, o que não se verifica nos autos”, diz o desembargador na decisão, ao apontar um problema de segurança pública.
A decisão do desembargador Fernando Cerqueira, proferida na segunda (3), libera a presença de público das torcidas mandantes ao longo do mês de fevereiro. A partir de março, os clubes devem implantar a biometria facial, sob pena de multa de R$ 100 mil por evento esportivo.
Ao recorrer à Justiça, o Sport adotou tom mais crítico ao governo estadual do que o Santa Cruz, que não se manifestou nas redes sociais contra a medida do governo. O presidente do Santa Cruz, Bruno Rodrigues, ocupa o cargo de presidente do Ceasa, órgão do Governo de Pernambuco, e é aliado político da governadora Raquel Lyra.
O objetivo do governo era fazer com que, no período, os clubes se adaptassem para a adoção de medidas como a implantação de biometria facial, além de providências de logística por parte da segurança privada dos clubes.
“Há um discurso fácil dos clubes de dizer que dentro do estádio não tem problema. Quem faz a segurança dentro do estádio é a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros. Não tem segurança privada nem para organizar uma fila, quem tem que organizar é uma PM. E é obrigação do clube”, disse o secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, na manhã de segunda-feira.
Um relatório produzido pela Delegacia de Repressão à Intolerância Esportiva um dia antes do jogo mostra que a SDS (Secretaria de Defesa Social) foi alertada sobre confrontos combinados pelas redes sociais pelas torcidas organizadas Explosão Coral e Jovem do Leão. O documento contém imagens de publicações que estimulam brigas, elenca pontos de risco na cidade e traz informações sobre uso de artefatos explosivos e apoio de carros e motos.
“Apesar de todo o planejamento e da tentativa de antecipar possíveis crises, os fatos que ocorreram no último sábado (1º) fugiram do padrão esperado, exigindo uma resposta rápida e firme das forças de segurança. O efetivo atuou para evitar mortes e minimizar danos às pessoas e ao patrimônio, dispersando os grupos envolvidos e controlando os confrontos da maneira mais ágil possível”, disse a SDS em nota, sobre o relatório.
No domingo (2), a Justiça decretou a prisão preventiva das 13 pessoas detidas em flagrante por envolvimento nas brigas realizadas no dia anterior nas ruas do Recife. O principal foco de confronto foi no bairro da Madalena, zona oeste da cidade.
Oficialmente, as três principais torcidas organizadas de Pernambuco foram extintas em 2020. Porém, segundo o Ministério Público de Pernambuco, elas mudaram apenas o nome e o CNPJ.
“São as mesmas pessoas, os mesmos cânticos de guerra, os mesmos modos de agir, as mesmas revanches. Os clubes não podem aceitar essas pessoas em suas casas, suas festas, comemorações, e dirigentes não devem tirar fotos com elas”, afirmou o coordenador do Núcleo do Desporto e Defesa do Torcedor do Ministério Público, Antônio Aroxelas.
Nesta terça-feira (4), o Sport vai jogar contra o Fortaleza pela Copa do Nordeste. O jogo está marcado para as 21h30. Após a decisão do TJ-PE, a Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco iniciou o planejamento operacional da Polícia Militar para o jogo, que terá torcida única.
A Procuradoria-Geral do Estado avalia se vai recorrer da decisão. O Ministério Público de Pernambuco não informou se vai apresentar recurso.
Em março do ano passado, um ônibus com jogadores do Fortaleza foi atacado a pedradas por integrantes de uma torcida organizada do Sport enquanto retornava da Arena Pernambuco após um jogo da Copa do Nordeste. Integrantes da delegação do clube cearense ficaram feridos. Os sete presos foram soltos dois meses depois.
Um dos detidos no fim de semana pelas brigas, segundo a Polícia Civil, também estava envolvido no caso das pedradas ao ônibus do Fortaleza no ano passado.
Para o jogo, um dos setores do estádio terá entrada apenas para quem cadastrou a biometria facial por meio de um aplicativo de compra de ingressos do clube. “Outro ponto importante é que será proibido acessar o estádio com qualquer adereço alusivo às torcidas organizadas nesta terça-feira”, anunciou o Sport.
O presidente da Federação Pernambucana de Futebol, Evandro Carvalho, defende que haja apenas torcida única nos clássicos envolvendo Sport, Santa Cruz e Náutico, como era no ano passado em Pernambuco. O modelo é adotado em São Paulo em jogos entre os grandes clubes.
Neste ano, o modelo de duas torcidas em clássicos foi retomado em Pernambuco. No dia 25, um jogo entre Náutico e Santa Cruz teve duas torcidas nos Aflitos. A situação se repetiu no sábado seguinte para Santa Cruz e Sport, quando houve brigas nas ruas da capital pernambucana.