Diante do silêncio dela e do seu olhar rígido, a aparição foi tida como uma estratégia de marketing forçada pelo marido. Um sinal de dominação e de conquista, o troféu de um homem. Uma mulher que não pensa, não fala, não ouve: só obedece.
Com poucas exceções, mesmo quem criticou a performance e enxergou ali a vítima de um relacionamento abusivo compartilhou a imagem do corpo nu da australiana, de frente e de costas — numa atitude que, mesmo sem querer, acaba compactuando com a exploração de seu corpo como objeto.
West comemorou, nas redes sociais, a disparada de buscas pelo nome de Bianca no Google. Como se ele tivesse, ao expô-la, traçado um plano em seu benefício. Um discurso, aliás, típico de homens que se julgam melhores do que suas companheiras para tomar decisões por elas.
A jornalista Niara de Oliveira, especializada na cobertura de violência contra a mulher, certa vez me disse, pra esta coluna, que “a própria denúncia de atos bárbaros se torna bárbara”:
“Não é à toa que dizem que o diabo mora nos detalhes, é neles também que somos seduzidos e envolvidos na trama do fetichismo da violência contra a mulher. Tem quem se delicie — mesmo sem perceber e mesmo que seja com a ‘boa intenção’ da denúncia — com a imagem ou a descrição do martírio de uma mulher”.
Num momento em que os nossos direitos estão sendo perseguidos e que empresas como Google e Meta retrocedem em suas políticas de diversidade, todo cuidado é pouco. A vigilância no combate à violência contra a mulher tem que partir de jornalistas, influenciadores e usuários que não sejam coniventes com ela.