O rapper Kanye West não ganhou o prêmio no Grammy, mas levou o seu troféu. Não deu um show de música, mas um show de misoginia e machismo. Bianca Censori, mais conhecida como a Sra. West, tem um corpo espetacular. Ela não se rendeu à prisão da magreza extrema, mas se rendeu a um aprisionamento mais tóxico, à manipulação e (ab)uso indevido de seu corpo pelo parceiro.
O problema não é a nudez no tapete vermelho, a questão é o “por que”, o “como” e “quem” está por trás dessa nudez.
West viu a aparição de sua musa como uma oportunidade de chamar atenção, bem ao seu estilo. Foi ele quem escolheu a (não) vestimenta da mulher. Ela aceitou para não desapontá-lo, embora preferisse usar um vestido bonito, segundo um amigo declarou ao New York Post.
West comandou o teatro: “Você está fazendo uma cena agora” (decodificado por leitura labial). A mulher obedeceu, tirou o casaco e exibiu seu corpo coberto por um microvestido de tule transparente sem nenhuma peça íntima por baixo, ao lado de West, vestido dos pés à cabeça. O rapper não olhou para a mulher, não demonstrou nenhum sinal de carinho ou conexão. A intenção foi clara: “Vejam o meu troféu”. A aparição foi rápida, mas suficiente para atrair os holofotes e lançar luz sobre uma indagação mais importante: por que tantas mulheres aceitam esse tipo de abuso?
Pessoas manipuladoras têm o seu charme, conseguem envolver o outro criando uma dinâmica de controle e poder. Todo abusador tem um lado protetor que prende a vítima a ponto de ela acreditar que viver ao seu lado é melhor do que viver longe dele. É um controle tão insano que, às vezes, a própria vítima se sente responsável pelos abusos que sofre.
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Seria ingênuo afirmar que Censori não teve co-participação na objetificação do seu corpo – apesar do medo reprimido no seu olhar, como se pedisse socorro sem saber pelo quê. Mas não parece ter sido um experimento artístico mútuo. Depois do evento, West celebrou nas redes: “Minha esposa é a pessoa mais pesquisada no Google no planeta chamado Terra. VENCEMOS O GRAMMY”. É mais um capítulo da odisseia exibicionista de West.
Egocêntrico e narcisista de carteirinha, seu histórico fala por si. Sua necessidade por atenção e admiração faz com que ele se sinta no direito de tratar os outros com arrogância e reduzir as mulheres a meros objetos para satisfazer as suas necessidades solipsistas (em alemão selbstsüchtiger, em tradução literal, viciado em si mesmo).
O rapper, que mudou seu primeiro nome para Ye, segue um padrão de relacionamento com mulheres. Foi abusivo com Kim Kardashian durante o casamento e usou a sua fama para ameaçá-la depois da separação; manipulou Julia Fox ditando de uma maneira impositiva como ela deveria se vestir.
Ye tem uma prepotência sem limites, já teve o mau gosto de publicar um vídeo fazendo xixi no prêmio do Grammy, com a legenda: “Acreditem em mim… Não vou parar”. Mas isso tem que parar.
A violência doméstica continua crescendo no mundo, e os abusos descarados de pessoas públicas devem servir de alerta, ser a bandeira vermelha para que outras mulheres reconheçam em suas vidas sinais de comportamentos tóxicos e se libertem de violências, manipulações, love bombings e outras formas de opressão.
Mulher não é troféu, mulher não é objeto, mas também não pode aceitar o papel de vítima silenciosa.
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