Karla Sofia poderia ser racista e fazer um bom filme? Poderia. Mas ela pode ser aclamada pelo bom filme como atriz? Hm, não dá. Aclamar a atriz é aclamar o racismo —e a poeira toda que levantou daquele tapete vermelho.
Ok, se eu não tivesse consciência de gênero, consciência racial, consciência de classe e não fosse latina, “Emilia Perez” seria uma boa novela com pouco compromisso com a realidade. Um homem impiedoso que “vira” uma mulher benevolente sem que sua própria família saiba sua identidade. Uma novela mexicana parece ser um bom paralelo para o argumento, mas o próprio Audiard escorrega de novo quando afirma para a Folha de S.Paulo que não gosta do gênero, categórico. Ele, apesar de ter feito um novelão premiado, com direito à pausa dramática com mulher de costas, de salto, virada para a janela com cortina semicerrada, não sabe do que estamos falando. Estudar teria sido bacana.
Gosto de novelas, mas há anos que a consciência me arrebatou e não dá para mais gostar das coisas —aqui entra a genial Luana Piovani reclamando que não pode mais posar de biquíni— sem pensar um pouquinho se aquilo é legal para todo mundo.
Meu amigo João Andrade, um homem trans que trabalha com cinema, afirma que “Emilia Perez” quer agradar a “comunidade hétero branca cis que quer parecer boazinha e aceitar as pessoas trans”. “Por que esses personagens precisam sofrer tanto no cinema? Que sadismo”, ele diz. Eu, a hétero branca cis que quer parecer boazinha, prefiro escutá-lo. E você?
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PS: A estátua de coadjuvante já é de Zöe, mulher negra, de origem latina, vivendo nos EUA com seu espanhol impecável. Em tempo: ela afirmou estar decepcionada com a erupção de tuítes inapropriados da colega Karla.