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Como se diz por aí, casamento é igual a submarino: até flutua, mas foi feito para afundar.

Desde que ele passou a ser celebrado sobre a areia movediça dos afetos, seu destino se mostra mais incerto. Não há aqui, no entanto, qualquer traço de saudosismo dos tempos em que o contrato matrimonial se dava à revelia das partes envolvidas e nos quais os interesses pragmáticos deveriam suplantar os românticos. Ainda assim, é sabido que não há relação afetiva sem certa dose de pragmatismo.

Encontramos nossos pares a partir de coordenadas prévias, tanto conscientes quanto inconscientes, o que faz com que o amor à primeira vista seja sempre déjà vu.

Entre as questões incontornáveis de qualquer casal está o fato de que nossa sexualidade é como uma digital: única e com pouca margem para mudança. Mas dá para torcer pela sorte de encontrar alguém com quem possamos jogar bem o jogo de conciliar o inconciliável. Dito de outra forma, que tenhamos a sorte de poder gozar ao nosso modo, mas incluindo o outro no nosso “cine privé”. Algo como ir ao seu restaurante predileto muito bem acompanhado e escolher seu prato preferido, reconhecendo que o prazer da carne, para um, equivale ao dos frutos do mar, para o outro.

Dando um pouco mais de corda a essa metáfora tosca, diria que o suprassumo da relação é quando um consegue sentir prazer em preparar o prato preferido do outro, mesmo que ele não seja fã da iguaria. Ainda assim, o jogo só funciona se cozinhar para o outro fizer parte da fantasia.

Se é impossível transmitir nossa experiência de estar vivo –que dirá o sexo, feito de marcas inconscientes. Que sirva de consolo admitirmos que sequer conseguimos comunicar inteiramente nossas experiências para nós mesmos.

Em “Babygirl”, filme-sensação com Nicole Kidman, as fantasias da protagonista de ser “disciplinada” no sexo se chocam com seus próprios valores, levando a duas décadas de encenação de orgasmos dignas de um Oscar. O “D” da sigla BDSM –Bondage, Disciplina, Sadismo, Masoquismo– aparece na película de Halina Reijn de forma cosmética, trazendo saudades de filmes como “De Olhos Bem Fechados“, de Stanley Kubrick (1999), com a própria Kidman, e “A Secretária”, de Steven Shainberg (2002).

Mas a obra tem o mérito de trazer a discussão da insatisfação sexual feminina nos casamentos –onipresente nos divãs– e torná-la palatável para o público em geral. A solução dada na obra, no entanto, é tão simplista quanto acreditar que basta compartilharmos a fantasia recalcada que o abismo entre nós se resolveria.

Se sua fantasia secreta for levar uns murros ou um jato de urina na cara, por exemplo, você não demorará a descobrir que nem todo mundo se diverte da mesma maneira. O que, aliás, entre adultos e com consentimento, pode ser uma forma válida de prazer como qualquer outra.

Unir amor, desejo, gozo, companheirismo, amizade, admiração e projeto comum em uma única relação é tarefa hercúlea, ainda mais porque todas essas condições estão sujeitas a mudar com o tempo.

Saber que estamos navegando em um submarino, e não em um catamarã, talvez seja um bom começo para apreciar a viagem e retardar seu fim.


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