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“Bêbado tem que ter destino”. Nunca me esqueço da primeira vez que ouvi essa frase. Foi o Bento, um senhor gordo que senta ao meu lado na sala de AA. Ele me assustou nos primeiros dias da minha recuperação. Confesso que sempre achava que ele estava dando o depoimento para mim, passando um sermão. Mas não. Um dia ele me falou no intervalo da reunião, entre uma bolacha e outra, que era para ele mesmo. “A doença é triste e traiçoeira, Alice. Preciso ser firme comigo”.

Dentro de uma sala de AA, escuto muitas frases repetidamente. E gosto, assim como adoro conhecer a variedade de pessoas que frequentam a irmandade. São das mais diversas idades. Bento deve ter por volta de setenta anos e é daqueles senhores que aparentam ser muito bravos, mas na verdade a cara de bravo é apenas uma fachada. Foi ele quem me apresentou o livro “Viver Sóbrio” e todas as dicas que existem nele para quem começa um tratamento do alcoolismo. O AA tem uma vasta literatura e ajuda muito.

Esse lance do destino faz todo sentido. Preciso sempre de rotas. Enquanto bêbada, vivia flanando. Às vezes ia dar uma volta e me perdia no caminho à procura de bebida. É sério. Mesmo que não conscientemente. Se encontrava alguma coisa a que minha adicção grudasse, não voltava mais. Assim me perdi em prazos de trabalho, me ausentei em encontros marcados. Esquecia tudo quando encontrava uma bebida. E o destino a que me refiro não precisa ser físico. Ficar em casa sem nada para fazer também sempre foi um bom espaço para entrar na bebida. Minha irmã sempre me disse: “Rotina e destinos, Alice. Você precisa saber que hoje é terça-feira e não sábado”.

Fiquei um bom tempo sem trabalhar muito devido a meu alcoolismo e me perdia em noites e dias. Abria os olhos às vezes à tarde e não tinha ideia do dia da semana. Por isso, no começo da minha recuperação fui orientada a ter horários, mesmo que não tivesse nada para fazer. Botava o despertador e fazia uma lista de coisas, escrevia no papel tarefas como: fazer a cama, tomar café, dar uma volta com o cachorro, organizar o armário, e assim por diante.

Dessa forma fui travando um compromisso comigo mesma. Não tinha ninguém ao meu lado para me dizer o que fazer. Devastada por anos bebendo e perdendo amigos e trabalhos, estava sozinha numa casa com meu cachorro. Percebi que somente assim, cuidando de mim da forma mais radical, seria possível achar uma vida adequada para conseguir respirar sem o álcool e sem muita coisa boa que tinha ido embora por causa da minha doença.

É bem difícil falar para outras pessoas das minhas dores e dos meus desafios. Em 2023 eu tive que fazer uma operação às pressas e fui contar ao cirurgião que era alcoólatra. Ele perguntou se eu tinha bebido no dia anterior. Eu disse que fazia alguns anos que não bebia e ele disse: “Ah, então não é mais alcoólatra”. Eu estava com tanta dor que deixei para lá.

O alcoolismo não é só a bebida. Existem muitos outros fatores. Eu não sou mais bêbada mas sou uma alcoólatra e aprendi que serei até o resto da minha vida. Preciso me cuidar, entender os dias, as rotas e não me distrair. Jamais.


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Fast Company

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