Passadas as primeiras semanas de campanha em 2024, ficou claro que Pablo Marçal teria um bom desempenho nas eleições de outubro. Considerando-se os holofotes sob os quais o influencer esteve durante boa parte do tempo, muitos à esquerda temiam que Marçal conquistasse mais do que os 1,7 milhão de votos recebidos e comprometesse a candidatura de Guilherme Boulos ainda no primeiro turno.
Não faltaram análises sobre como Marçal arrematara a parcela de trabalhadores simpáticos ao empreendedorismo —o “novo proletariado”. E o Palácio do Planalto estava de olho.
Também em outubro de 2024, o governo Lula acenou a esse público sancionando uma lei de concessão de crédito a microempreendedores. Na primeira reunião ministerial de 2025, o presidente chamou a atenção dos ministros para a necessidade de trabalhar com uma população que, nas suas palavras, está se tornando empreendedora.
É compreensível que associemos a direita ao empreendedorismo. De Pablo Marçal e seu discurso motivador a Donald Trump e seu super secretário e mega empresário Elon Musk, muitos são os aparentes laços que unem políticos nesse espectro ao discurso e à prática empreendedores.
Mas é preciso desmistificarmos entendimentos. Nem tudo é farinha do mesmo saco, afinal. No Brasil, uma pesquisa de 2023 do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) mostra que a vontade de empreender já conquistou 60% da população, parcela grande demais para representar apenas uma matiz ideológica. Seja na versão tradicional ou social, existe uma grande adesão à pauta em favelas e periferias urbanas, territórios que estudo no doutorado.
Podemos questionar a precarização do trabalho autônomo e podemos denunciar a transformação de políticas públicas em mercadoria ao invés de serem garantidas pelo poder público –isso tudo em um cenário em que as pessoas confiam mais em si próprias do que nos governantes enquanto provedores.
Podemos inclusive apoiar ou rechaçar o empreendedorismo como opinião pessoal. Mas, ao menos nas pesquisas que conduzo, noto que a população adere à prática não necessariamente por inclinação política. Pode ser por necessidade, pode ser pelo sonho de comandar o próprio negócio, pode ser pela esperança de enriquecer. Nem tudo é ideologia política pura.
Evidentemente, as pessoas desses territórios têm seus posicionamentos – todos temos, não é mesmo? Desde a redemocratização, as necessidades e os anseios da população têm se transformado. O “popular” dos territórios populares mudou. Goste-se ou não, essa é uma realidade que não podemos ignorar.
Mas a realidade vai muito além dessa discussão. Afinal, os moradores de favelas e periferias têm questões mais concretas com que se ocuparem. Como a falta d’água todas as noites, a violência urbana, a falta de remédios no posto de saúde etc.
Se me perguntarem se empreender é uma prática de direita, posso dizer que sim e que não. Posso mencionar o discurso empreendedor de Pablo Marçal ou posso falar sobre o empreendedorismo por necessidade. Posso também afirmar que todos sonham com uma vida melhor – em qualquer espectro ideológico.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço “Políticas e Justiça” da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Guilherme Formicki foi “Brasil”, de Cazuza.
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