Informações na mesma linha
Telefone: (21) 97026-3221
Endereço: Rua Viçosa do Ceara, 157, Paciência, Rio de Janeiro - RJ

Tinha tudo para dar errado. E deu. Cada movimento preparatório denotava equívoco e má-fé. De onde nada se esperava além de truculência, truculência. Um shake do STF no seu pior. Um mini-curso dos vícios monocráticos que fragilizam um tribunal importante demais para o país. Tribunal que hoje não aceita dizer o que faz nem fazer o que diz.

A câmara de conciliação sobre direitos territoriais indígenas, criada pelo gabinete de Gilmar Mendes sem lei que o autorizasse, chegou a um resultado: anteprojeto de lei para “pacificar” o conflito. Pacificar, veja bem, ao estilo brasileiro.

O erro estava na ideia, na instauração, na arquitetura, na condução, nos bastidores da promiscuidade. Está no produto final.

Na ideia porque o conceito de direitos fundamentais não se sujeita a conciliação e serve basicamente para uma coisa: impedir transação ou venda da sua dignidade e liberdade. Na instauração porque não há norma que dê institucionalidade à câmara. Na arquitetura porque forjou sub-representação de indígenas, convidados a sentar à mesa com atores que lutam pela extinção de terra indígena. Na condução pela violência simbólica e grosseria verbal no tratamento. Nos bastidores se viu ministro do STF em eventos patrocinados, por exemplo, pelo Ibram, o instituto da mineração. Advocacia lobista circulando.

Tribunal anunciou conciliação, entregou coerção.

Mas o resultado foi mais grave. O anteprojeto altera rito demarcatório do decreto 1.775 e dá larga margem a objeções de terceiros. Amplia papel de estados e municípios e impõe novos obstáculos à demarcação. Prevê, sem maiores critérios, “compensação territorial” quando desocupação for “impossível”. Exige indenização da terra nua para posseiros e favorece o agronegócio.

Pior: permite atividade econômica e exploração mineral em terras indígenas, sem consentimento dos titulares. Mineração apareceu de surpresa, um jabuti que foge ao objeto da ação constitucional sobre a tese do marco temporal. Uma matéria “ultra vires”, que contrabandeia interesse fora do escopo do processo.

Ao final, uma mensagem de desprezo pela vida indígena e de descompromisso com seus direitos constitucionais.

O STF julgou recentemente o “pacote verde” e tomou boas decisões nas chamadas ações climáticas. Reconheceu que proteção do meio ambiente e do clima é direito do qual dependem todos os demais direitos. Reconheceu que terras indígenas preservam a floresta amazônica, que por sua vez interfere no clima do planeta. Determinou medidas para sua proteção integral.

Parece contradição e incoerência, mas pode ser só desfaçatez. Triste exemplo de tribunal que, repare de novo, não faz o que diz nem diz o que faz. Rende-se ao poder econômico mais regressivo e renuncia à jurisdição, ao dever de dizer o direito. Não por convicção constitucional, mas por afinidade ao poder econômico que frequenta nas salas de jantar.

Por que assumir responsabilidade de julgar com independência, apesar de desagradar aos comensais, se podemos abdicar da função e montar negociação onde o amigo vitorioso já se sabe de antemão?

Se o plenário se curvar à operação neocolonial, o STF vai renunciar duas vezes: primeiro, ao adotar conciliação (falsa ainda por cima); segundo, ao propor lei cuja constitucionalidade não poderá ser julgada, se lógica houver, pelo mesmo tribunal que a elaborou.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.