O nome do restaurante argentino Don Julio não é desconhecido dos brasileiros. Eleito o melhor da América Latina pelo 50 Best, ele é destino certo dos apaixonados por carne que aproveitaram anos de câmbio favorável. Mas o que talvez não seja tão sabido é que, além de servir incríveis ojos de bife e as empanadas mais perfeitas possíveis, é o principal templo do vinho argentino aberto ao público hoje.
Quem chega ali e quer pedir uma garrafa tem 14 mil rótulos como opção, todos feitos em território hermano. Para auxiliar na escolha, há uma equipe com oito sommeliers preparadíssimos. Se você for do tipo que prefere não falar com pessoas, há uma carta convencional de vinho, por região. Mas —coisa que jamais tinha visto antes— tem também outra carta, organizada por clima, que usa a chamada escala Winkler, criada nos anos 1940 na Universidade da Califórnia em Davis.
Se você quiser só uma taça de vinho, você pode escolher entre diversos estilos de taças Riedel que o restaurante utiliza. Cada uma delas tem um menu próprio, com rótulos pré-selecionados e cujas características serão acentuadas pelas curvas e linhas dos diversos modelos.
Agora, se você for um supernerd do vinho de verdade, pode agendar com antecedência uma visita à adega do restaurante e ter uma aula sobre textura. Isso porque a teoria do dono do Don Julio, Pablo Rivero, é que uma degustação às cegas é desvendada mais pela boca do que pelo nariz (os que têm rinite enfim respiram aliviados). Na experiência, você se depara com três caixas de madeira: uma tem um pedaço de camurça; outra, uma pedra; e a terceira, um veludo.
Somos encorajados a segurar a camurça ao mesmo tempo que provamos um vinho de Maipú, região a 800 metros acima do nível do mar e a mais tradicional do país, a que colocou a malbec no mapa mundial. O vinho é gordo e generoso e pode nos esquentar como a camurça.
Depois, pegamos a pedra e provamos o vinho de Gualtallary, que está entre 1.200 e 1.700 metros acima do nível do mar, considerada uma das regiões mais nobres do Valle de Uco. Rivero pede para que sintamos o seixo na mão e o vinho sobre a língua e fala de como a bebida da região precisa de tempo: são inicialmente duros como a pedra, mas têm, também como ela, uma mineralidade fantástica.
Por fim, fala para que provemos o terceiro vinho, que vem de Altamira, um lugar frio, mas não gélido (escala Winkler 3), que faz os vinhos “preferidos de toda a gente”. São exatamente como o veludo que temos nas mãos.
Entre o marketing descarado e o didatismo eficiente, a visita ensina sobre a obsessão de Rivero, que foi eleito também o melhor sommelier da América Latina pelo 50 Best. Basta contar que o vinho que considera o melhor do país, o tinto Per Se, caro, de produção limitada, feito a partir de uma associação de enólogos da Norton e da Susana Balbo, não está no restaurante, mas em uma adega na casa dele, onde guarda os vinhos que ainda não estão prontos para beber. “Se algum sommelier abrir uma garrafa dessas, eu mato”. Isso porque, diz ele, em 15 anos serão celestiais.
Talvez tocado pela minha curiosidade genuína, mudou de ideia e resolveu compartilhar, na celebração da colheita do tomate, uma garrafa do Per Se La Craie Malbec 2017, que precedeu o premiado Zuccardi Piedra Infinita Gravascal Malbec 2019 e o icônico Weinert Estrella Malbec 1977, um dos primeiros a trazer o nome da uva no rótulo. Ao provar a tríade, mudei a chave sobre Rivero: mais que me espantar com sua mania, celebrei sua generosidade.
Vai uma taça?
No El Preferido de Palermo, outro restaurante de Rivero, provei e me apaixonei pelo Marcelo Miras Joven Trousseau 2022 (R$ 145 na Vinhos Mundi), um tinto leve de manual. Também da Argentina, o Riccitelli Invader Semillon Riccitelli (R$ 280 na Toque de Vinho) é caro mas vale cada gota e é feito por um dos grandes enólogos do país hoje. Amigo do bolso, o Los Medanos Criolla Rose Vinecol (R$ 79 na Toque de Vinho) cai bem num dia quente de verão, assim como o Zuccardi Fuzion Chardonnay (R$ 69 no St. Marché).
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