Depois de se apresentar com enorme sucesso em palcos de Amsterdã, Zurique e Copenhague, o Trinka, trio formado pela cantora paulistana Dandara Modesto, 40, com o violonista lisboeta João Pires, 40, e o percussionista mineiro Juninho Ibituruna, lança em vinil, pelo selo alemão Agogo Records, um EP que traz a atmosfera descontraída e fluida desse encontro.
No EP seis músicas mostram a força poética e musical do trio: “Dois no Ilê”, de João Pires e Pedro Luís, “Grego”, de Vitor Santana, Brisa Marques e João Pires, “Navega”, de João Pires e Brisa Marques, “Algum Lugar em Nós”, de João Pires e Brisa Marques, “Mais Belo Fim do Mundo”, de João Pires e José Agualusa, e “Valsa para Socorro”, de João Pires e Brisa Marques.
O Música em Letras entrevistou a cantora e compositora Dandara Modesto que discorreu sobre o grupo e sobre as canções que compuseram com o escritor angolano José Eduardo Agualusa, Brisa Marques e Pedro Luís.
Leia, a seguir, a entrevista exclusiva concedida ao blog pela artista e assista, no final do texto, ao vídeo no qual o Trinka interpreta “Algum Lugar em Nós”, música de João Pires em parceria com Brisa Marques.
Qual a proposta do grupo Trinka?
Trinka é um encontro transatlântico que une o compositor e violonista português João Pires com a minha voz e a percussão de Juninho Ibituruna. Orgânico, enérgico e alegre, o trio utiliza a poesia da língua portuguesa como barco para criar narrativas embaladas pela música.
Qual o conceito do EP lançado pelo selo alemão Agogo Records?
O EP é fruto de uma atmosfera descontraída e fluida desse encontro. O conceito veio muito orgânico, sendo fiel àquilo que se apresentava quando os três se juntavam para tocar. O encontro dos elementos que cada um traz: o violão característico de João, que embala suas melodias potencializadas pela minha voz e jeito de cantar e a presença firme rítmica de Juninho. As canções foram compostas para o projeto em parceria com José Eduardo Agualusa, Brisa Marques e Pedro Luís.
Quando e onde foram realizadas as gravações do EP?
As gravações aconteceram em março de 2022, em um sítio no interior de São Paulo, num ambiente tranquilo de imersão.
Quando, onde e como o trio Trinka surgiu?
João e Juninho são parceiros de som e amigos há muitos anos. Eu já tocava com Juninho, e ele sempre me falava do João e de suas belíssimas canções. Eu adentrei o universo musical do João pelo álbum em duo “Cordel” e me apaixonei. Alguns anos depois, em 2021, nós finalmente nos conhecemos nas ruas de Lisboa, no Bairro Alto, e foi conexão à primeira vista. Já fomos os três à casa do João e passamos a tarde juntos a tocar, ele me mostrando suas canções e eu me conectando com todas. Dali marcamos um show em Lisboa e estamos aqui para contar história.
De lá para cá, não paramos de tocar e coisas lindas surgiram pelo caminho. Tocamos em grandes casas da Europa. Na Bimhuis, em Amsterdã, na Moods de Zurique, e na Alice, em Copenhague. Também passamos por vários outros países.
Quando o EP foi lançado?
O primeiro single, “Dois no Ilê”, música composta por João e Pedro Luís, saiu em novembro de 2024. O EP foi lançado em 24 de janeiro de 2025, pela Agogo Records.
Por que a escolha do formato vinil para registrar o primeiro trabalho do grupo?
Somos os três apaixonados por esse formato, tanto pelo objeto-música quanto pelo som. Eu cresci cercada pelos vinis de meus pais —dos quais herdei uma bela coleção— e amo a “fisicalidade” da música que esse formato traz. Tivemos a alegria de ter a parceria com a Agogo Records que há décadas trabalha com vinis.
A gravação foi digital ou analógica?
A gravação foi digital. O sonho de gravar na fita ainda virá.
O trabalho será lançado no formato CD?
Não.
Onde encontrar o EP, além das plataformas digitais?
Na Europa e Estados Unidos, o EP pode ser encomendado via Bandcamp. No Brasil e na América do Sul as encomendas são feitas via email, musictrinka@gmail.com.
Há shows agendados para o Brasil? Quando e onde?
Sim! Estamos muito contentes e animados para finalmente tocar no Brasil. Entre setembro e outubro [de 2025] estaremos por aí, passando por São Paulo (capital e interior), Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro e onde mais chamarem a gente. Vai ser uma alegria.
Das seis músicas do EP, cite três delas descrevendo-as musicalmente.
“Algum Lugar em Nós” é um xote que nos abraça para passar uma mensagem existencialista e necessária que há na letra brilhante de Brisa Marques. O mantra “não se pode duvidar do coração, do fundo da gente vem a direção” é repetido para ser ouvido e sentido profundamente. O fim da faixa traz o delay de uma voz que ressoa os aboios, isso veio a mim durante as gravações, sentindo o pulso desse xote, que nos leva a seguir em frente com o violão mântrico melódico de João, a esperançar, apesar dos cenários desafiadores, a voz firme e doce que mastiga a letra, saber de onde vem para seguir para onde vai, com as percussões de evocação ancestral de Juninho. A consciência que parte do sentir.
Cito também “Dois no Ilê”, pela força rítmica e pela simbiose música e palavra. É uma linda homenagem aos orixás Oxóssi e Ogum. Como pessoa de axé, sinto-me honrada de cantar a esses dois orixás, para nós todos é uma canção muito especial. O arranjo simplesmente se deu na primeira vez que tocamos. Quando João me mostrou essa canção eu me apaixonei na hora e no mesmo momento aprendi a cantá-la. Ela nos conecta em muitas camadas.
E, por fim, “Grego” tem uma outra estética. As modulações, o caminho melódico, a construção da percussão com as afinações das peças e pratos, além da profundidade adicionada pelo synth bass [baixo de teclado]. Cria-se um ambiente misterioso, quase mágico. A letra fala dessa busca e desse medo do amor do outro e tentamos, acho que com algum sucesso, traduzir isso no som.
Descreva o projeto em parceria com José Eduardo Agualusa, Brisa Marques e Pedro Luís.
As letras desse projeto são uma riqueza à parte. Temos a honra de ter essas três figuras talentosíssimas e suas criações que abrem dimensões. Brisa Marques é escritora, letrista, jornalista mineira maravilhosa e tem uma parceria de muitos anos, e belíssimas canções, com João. A maioria das letras desse trabalho são de autoria de Brisa e é uma honra poder cantá-las. O cuidado com a palavra, a construção das imagens e dimensões que ela traz são necessárias.
O Pedro Luís dispensa apresentações, né? João e Pedro desenvolveram essa parceria que gerou “Dois no Ilê”, que é uma potência no projeto. Ter esse mestre da música brasileira conosco é um presente.
E José Eduardo Agualusa é esse acontecimento. Conheci o Zé em Lisboa e me lembro de ele ir ao show meu e ficarmos amigos, ele me presenteou com algumas letras (que gravarei no futuro), além de sua amizade que foi e é um presente. Zé e João já tinham uma parceria, pois Zé ama fazer letra e ama as canções. Daí surgiu essa letra. Fomos João e eu à casa dele em Lisboa e passamos uma noite assistindo à magia da arte das palavras acontecer pelas mãos e sentimentos de um grande mestre e amigo, trabalhando e vendo a canção ganhar forma. Eu, do alto da minha audácia, provoquei alguns ajustes por conta do sotaque brasileiro. Saímos de lá com “O Mais Belo Fim do Mundo”.
O que mais une os três artistas da Trinka?
A paixão pela música, em especial pela música brasileira. Somos três almas fascinadas pelo poder da música, pelo mistério que nela habita, sabe? Diria também a alegria, a gente ri muito juntos!
Dos vários lugares em que vocês se apresentaram na Europa, qual teve uma recepção mais marcante e por quê?
Cada palco, cada chão reverbera emoções diferentes. Acho difícil e complexo categorizar. Mas foi muito especial tocar na Bimhuis, em Amsterdã. Aquele lugar é um templo da música, é uma sala com uma acústica absurda, até demasiado controlada para o meu gosto. E o público foi muito receptivo, atento e ativo, à maneira deles. O norte da Europa tem essa característica mais fria, uma atenção hipersilenciosa que soa até como distância, mas que depois se revela como profundo envolvimento. Nosso som é para mover dentro, sabe? E a gente tem conseguido isso.
O que o trio procurou explorar melhor dentro da sonoridade produzida pelos três artistas e o que mais os diferencia de outros grupos com a mesma formação?
Nós focamos e valorizamos as potências de cada um. O encontro é o ponto desse som, onde a minha voz, o violão de João e as percussões de Juninho se encontram. O que cada um traz e expressa pelo seu instrumento em termos de técnica, experiência, estética, ancestralidade, desejos. Focamos a soma que multiplica, nessa potência do trio e não no que falta. João tem esse violão muito característico, muito particular dele, e brinco que tem algo de encruzilhada. Um português que morou muito tempo no Brasil, que tem uma conexão forte com Cabo Verde, ele articula territórios e musicalidade no seu jeito de tocar e compor.
A maioria das canções nascem do João, e eu, como devota da canção, quando me apaixono, as mastigo, saboreio, passo pelas entranhas e vibro as palavras em som. Encontrei em muitas da Trinka melodias, ritmos e palavras que desejava há muito vibrar. E Juninho é nosso mestre do ritmo, polvo dos tambores, que adiciona uma camada base fundamentadora do que move essas canções. O Stefan Merse Ulrich, que coproduziu e mixou, trouxe algumas camadas adicionais que dão um tempero, mas a base fundamental de tudo está nesse tripé nosso.
O que as pessoas devem ter em mente quando forem escutar esse EP?
Em mente? Não sei. Mas sugeriria ter o coração aberto. Estar a fim de sentir.
Assista, a seguir, ao vídeo no qual o grupo Trinka interpreta “Algum Lugar em Nós”, música de João Pires em parceria com Brisa Marques.