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Está chegando o Carnaval. Na verdade, em algumas capitais ele já chegou e a festa vai até a segunda semana de março, como um momento de celebração e de expressão da diversidade cultural do povo brasileiro. Contudo, também é um momento para se ter cuidado, despachar a rua e pedir por proteção ao sair de casa.

Isso porque, durante a festa, os índices de violência que já são altos no Brasil vão às alturas. Multiplicam-se pessoas que bebem de forma irresponsável, colocando a si mesmas e outras em perigo.

O reflexo deste cenário está no aumento de atropelamentos e acidentes graves de carro no período. Segundo dados oficiais, só no último Carnaval foram 85 óbitos nas rodovias federais, e a combinação entre álcool e direção é apontada como uma das principais causadoras desses eventos.

Para mulheres de todas as idades, a festa ainda vem acompanhada de um problema persistente: o assédio sexual. A cada ano, movimentos feministas fazem campanhas de conscientização e é fundamental que blocos e organizações carnavalescas se comprometam com campanhas educativas e ações que garantam espaços seguros para as foliãs.

Há trabalhos importantes sendo feitos nesse sentido, como a plataforma Livre de Assédio, que, a partir de parcerias com o poder público e empresas, promove conscientização e um espaço de acolhimento para mulheres. Para além dessas iniciativas, há mobilizações a partir dos canais oficiais de denúncia, como o Ligue 180 —a Central de Atendimento à Mulher.

Qual mulher que viveu o Carnaval de rua no Brasil e não tem história para contar sobre interrupções de homens estranhos que puxam seus braços e chegam ao cúmulo de tentar beijos forçados? Isso sem mencionar aqueles que de tão violentos chegam a agarrar à força.

O que foi por muito tempo normalizado, agora é proibido por lei. A Lei da Importunação Sexual (lei 13.718/2018) já estabeleceu que atos como beijos forçados e toques sem consentimento são crimes, com pena de até cinco anos de prisão.

E, claro, estupro é crime hediondo, e “não é não”. A recente lei 14.786/2023 tratou de instituir o protocolo “não é não” para orientar atendimento a casos de violência em casas noturnas e boates, espetáculos musicais realizados em locais fechados e shows, a fim de promover a proteção das mulheres.

Não é não, inclusive em ambientes domésticos. No Carnaval, os índices de violência contra mulheres, crianças e idosos comprovam que cuidado e proteção são necessários a pessoas que não participam da festa, mas são impactadas por ela.

É o caso da família que é agredida fisicamente quando o homem chega embriagado em casa. É o caso do homem que se aproveita da situação e acessa uma criança para violentá-la sexualmente. É o caso de feminicídios que acontecem nesse período, entre tantos outros.

Diante desse cenário, é óbvio que os homens desempenham papel essencial, pois tanto são os algozes como podem ser agentes da transformação. Nesse contexto, refletir sobre lugar de fala não é dizer que os homens não podem falar sobre as violências cometidas pelo grupo durante o Carnaval, ou em qualquer outro período. Pelo contrário, trata-se de compreender como podem contribuir para mudar esse cenário de horror.

Conheço vários que não admitem violências como essas descritas e se dizem prontos para intercederem em favor de alguma mulher que esteja sendo submetida a uma violência. O conceito de lugar de fala, vale lembrar, na tradição de estudos feministas negros, se relaciona à responsabilidade e à posição social ocupada no debate, não sobre quem pode ou não falar sobre determinado assunto. Desenvolvo esse tópico na minha obra e venho escrevendo uma edição estendida sobre o tema.

Logo, posicionar-se não é exatamente simples, pois, vindo de um grupo social que enxerga mulheres como objetos a seu serviço, em vez de sujeitas, o homem que se incomoda com a violência contra as mulheres e pretende agir já se confrontou, ou então terá de se confrontar, com o próprio opressor dentro de si. Transcender a si é uma tarefa árdua, dolorosa, que poucos ainda estão dispostos a bancar.

Conscientizar é o caminho, ampliar a rede de proteção às mulheres também. Ainda estamos longe de viver uma vida sem violência no Brasil, e coisas simples, como viver o Carnaval sem assédios, não são um direito adquirido. Lutamos e torcemos para que essa realidade mude.

Que, dentro de todos esses limites, nós mulheres possamos viver um bom Carnaval.


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