Tentei contabilizar o meu tempo de sono no último fim de semana e a coisa está bem complicada. Não só para mim, como para boa parte dos brasileiros. Vivemos no país mais ansioso do mundo, sendo São Paulo o epicentro da ansiedade. Estudos bem recentes, feitos entre 2022 e 2023, descobriram que por volta de 70% da população –mais ou menos 2 a cada 3 pessoas– não dorme bem.
Quem mais se queixa de ter problemas para dormir são as mulheres. Definitivamente faço parte desse time, dependo de medicamentos para dormir e ainda assim não tenho um sono reparador.
Um amigo me falou outro dia que o turismo de sono já é uma tendência consolidada em países como a Tailândia, a Indonésia, a Espanha e a Suíça. Spas e hotéis de alto padrão, localizados em lugares remotos, que utilizam a mais moderna tecnologia disponível para oferecer aos seus hóspedes a experiência de se isolar o máximo possível da sociedade e ser removido da existência por algumas horas, se entregando à conchinha definitiva com Morfeu.
Tudo maravilhoso, mas, também caríssimo. Totalmente impagável. Tratado a peso de ouro, em 2025 o sono tornou-se um artigo de luxo.
E é mesmo verdade. Nesse mundo acelerado, barulhento e hiperconectado, reduzir a velocidade, ter acesso ao silêncio e poder desfrutar de algum tipo de desconexão é realmente um privilégio.
E o excesso de informação pela timeline infinita das redes sociais e a tripinha de manchetes que não para de correr no rodapé dos canais de notícias, cada dia mais apavorantes, vão se acumulando e, ao longo das semanas e dos meses, vão enchendo nossas cabeças de muito mais coisa que o cérebro consegue processar ou suportar, produzindo uma espécie de apodrecimento mental com a qual é muito difícil de lidar e desconectar. O brain rot ferra também o nosso sono.
Já faz quase vinte anos que existem estudos provando que o excesso de telas faz muito mal para o nosso cérebro. Dizem que reduz o QI, que faz a massa cinzenta literalmente diminuir de tamanho. Sim, o excesso de telas pode fazer até mesmo o cérebro encolher. Mesmo assim, nunca fomos tão fissurados nelas. Dependentes. Tecnicamente viciados.
Cada um de nós carrega sua própria telinha individual no bolso, que nos acompanha até ao banheiro. Raramente ficamos mais de dez minutos sem olhar para ela. Só fico pensando em quem foi mãe ou pai nas décadas de 80 e 90, quando não era uma grande preocupação deixar os filhos passarem mais de duas ou três horas mofando na frente de uma TV.
Só que o que a gente tem no bolso não é uma TV. Quer dizer, também é. Só que é muito mais do que isso. Pra muita gente, inclusive, pode ser tudo. Mas, mesmo para quem não é tão adicto, um celular conectado à internet já representa muita coisa. O seu supermercado. A sua alimentação. O seu meio de transporte. O seu banco. O seu trabalho. Os seus relacionamentos. O seu círculo de amizades. E é aí que o bicho pega.
Nas últimas semanas vi bastante gente falando sobre o conceito de “amizade de baixa manutenção” nas redes. Até o doutor Drauzio Varella se manifestou sobre o tema. Resumidamente, seriam amizades “adultas”, que não demandam grande atenção ou interações presenciais muito frequentes. Alguém com quem se fala ou se encontra muito de vez em quando —e tudo bem mesmo assim.
Um formato de relacionamento que ganhou bastante popularidade e se firmou como algo muito presente justamente a partir do surgimento da internet. Não sei o que vocês acham, mas, para mim, parece muito mais uma mistura de preguiça de conexões reais com um esgotamento mental para qualquer atividade social do que de fato uma forma de se relacionar com outra pessoa.
Sim, vivemos em um sistema capitalista onde sono é privilégio e amizade um luxo. Tudo precisa ser otimizado. Quais relações cabem em um dia a dia sobrecarregado, sobretudo em uma sociedade que prioriza o amor romântico? As amizades são os primeiros afetos a serem descartados. Vínculo tem a ver com presença –mais uma coisa que as telas nos roubaram, quase que inteiramente. Além de ansiosos, vivemos extremamente solitários.
A solução é tão simples quanto difícil: usar menos tela, viver mais vida. Menos computador, menos televisão, menos celular. Ou, pelo menos, não se deixar afetar tanto pelo que vem do feed e viver menos a vida de desconhecidos. Não é sobre se reconectar com a natureza, é sobre se conectar com as pessoas. Inclusive consigo mesma. É sobre estar presente, mesmo sozinha. Porém, melhor se for com os outros. Mais abraço e menos emoji.
Tudo bem mandar emoji também de vez em quando, mas não é isso que vai manter uma relação de pé. Você vai ter que dar os seus pulos. Sair de casa, mandar mensagem, fazer convites. Estar presente.
Tal qual uma plantinha, você terá de cultivar suas amizades. Como bem observou o doutor Drauzio, chegar à velhice na melhor forma também passa por chegar lá cheio de amigos. Compartilhar a vida reduz, comprovadamente, a ansiedade, a insegurança e o medo, além de diminuir o risco de doenças cardiovasculares. Por outro lado, viver em solidão pode afetar negativamente o sono (sempre ele), acelerar o declínio cognitivo e aumentar o risco de demência. Não parece uma escolha muito difícil.
Sempre bom ter em perspectiva que, a cada dez anos, mais de 1/3 de tudo que existe na internet desaparece. As coisas aqui do lado de fora costumam durar um pouco mais. E quando a gente cuida bem delas, quando a gente dá a alta manutenção que as coisas boas pedem, elas podem durar bem mais.