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Ter um robô para cozinhar, tirar o pó, lavar os pratos. Isso, sim, era progresso.

Não desespere, leitor. Os robôs estão a caminho. Leio no Daily Telegraph que pesquisadores do MIT estão a cinco anos, talvez dez, dessas máquinas domésticas com inteligência artificial.

As que existem hoje são repetitivas e “estúpidas”, dizem os cientistas. Conseguem executar tarefas em série, mas têm dificuldade em responder ao inesperado.

As máquinas do futuro, que terão o preço razoável de um automóvel de classe média, virão com flexibilidade e delicadeza. Nossas vidas serão passadas no sofá.

Brindo a isso. Sofá é o meu nome do meio e, com um filho pré-adolescente, dou meu reino por um cavalo (mecânico) que seja capaz de arrumar aquele quarto.

Além disso, e em matéria de culinária, todas as tentativas sérias de Little Couto com as panelas terminaram comigo no hospital ou com os bombeiros aqui em casa.

Vai ser refrescante, em vários sentidos da palavra, estalar os dedos e ter um monte de lata a preparar-me um gin tônica e um tártaro de atum, antes do Bacalhau à Zé do Pipo.

Mas às vezes penso, sempre deitado no sofá, que haverá pouco espaço para nós, humanos, nesse futuro radioso. Todos os avanços científicos diminuíram nossos esforços mais primitivos, é certo. Ninguém quer regressar à caverna.

Mas, apesar de tudo, usar a cabeça e os membros era a última marca de autonomia. E de humanidade.

Com as promessas da inteligência artificial, até isso será dispensável. Para que escrever, calcular, aprender, planear, dirigir, organizar ou simplesmente tirar os pratos da máquina? Só como hobby, se ainda soubermos o que isso é.

Aliás, imagino que haverá academias de ginástica com máquinas de lavar roupa ou louça, camas bagunçadas ou vassouras de madeira para que os clientes possam exercitar seus músculos atrofiados com os afazeres domésticos do passado.

“Só mais dois copos, você consegue”, dirá o personal trainer ao urbano-depressivo que já conseguiu enxugar 10 ou 20.

O poeta e ensaísta Paul Valéry confrontou-se com as mesmas questões, cem anos atrás. Nos últimos tempos, tenho andado embrenhado na sua prosa admirável e encontrei, por coincidência cósmica, “O Governo da Máquina” (edição portuguesa pelo Orfeu Negro).

Será que o ser humano está a tornar-se mais estúpido, mais crédulo, mais fraco de espírito, perguntava Valéry em 1912 ou 1913. Como a Primeira Guerra Mundial veio logo a seguir, em 1914, a pergunta se responde a ela própria.

Mas o objetivo de Valéry era saber até que ponto os “maquinismos obrigatórios” da vida moderna mudam radicalmente a “fisiologia do espírito”, ou seja, nossa capacidade de pensar, criar e compreender o mundo.

Sim, por um lado, eles nos libertam dos esforços mais penosos. Mas não haverá uma regressão da nossa “humanidade mediana” em matéria de memória, ou raciocínio, ou cálculo, ou compreensão?

“Quanto mais a máquina nos parece útil, mais útil se torna”, escreveu ele. “Quanto mais útil se torna, mais nos tornamos incompletos, incapazes de nos privarmos dela.”

É uma questão de preço, concluía Valéry. Qual o preço que pagamos pelos serviços do maquinismo? Ou, nas suas palavras, “com que moeda é que a inteligência se liberta”?

Existe uma diferença, porém, entre as inquietações de Valéry e as minhas. No início do século 20, o poeta temia que os seres humanos se convertessem em máquinas, submetidos “às vontades terrivelmente exatas dos seus mecanismos”, e perseguindo os mesmos valores de rapidez, eficácia e utilidade.

Isso, para um esteta como ele, seria a derrota do pensamento, da criatividade, do ócio e da contemplação. Tudo que é importante precisa de um tempo lento, não da vertigem do instante.

Seguir a lógica das máquinas seria dizer adeus à catedral que se constrói em 300 anos, à pintura demorada e por camadas, à linguagem perfeita, sempre em busca do “mot juste”.

“Passou o tempo em que o tempo não contava”, suspira o autor. “O ser humano atual não cultiva nada que não se possa abreviar.” Touché!

Essa febre cumpriu-se nos cem anos posteriores, até chegarmos ao esgotamento neuronal das sociedades contemporâneas.

Mas o horizonte, agora, é outro: não a conversão dos seres humanos em máquinas, mas em vegetais. Passivos, inertes, meras testemunhas de um filme que ganhou vida própria e onde não seremos os atores principais.

Se esse mundo chegar, espero que alguém programe os robôs domésticos para nos regarem com regularidade. As plantas também são seres vivos que precisam de muito cuidado e carinho.