“Desculpa. Eu nunca achei que você fosse me julgar. Mas eu sempre tive muita vergonha.”
Comecei a esboçar um bilhete para a Paula. Ela é minha amiga há pelo menos vinte anos e eu nunca tinha conversado com ela sobre o meu alcoolismo até a última quinta-feira, quando almoçamos juntas no nosso lugar de sempre. Estávamos comendo estrogonofe, meu prato predileto. (Eu sei, eu sei, você vai dizer que meu paladar é infantil, mas tudo bem, não me importo.)
Fiquei com vontade de contar tudo para ela. Nunca esqueço do dia em que estávamos fazendo sauna no clube e decidi tomar uma caipirinha. Era o lugar perfeito para me entorpecer. Escondida do mundo, junto dela, e longe de quem iria me recriminar pela bebida. Pedi logo de cara uma caipirinha dupla, o que já foi meio estranho. “Alice, tem certeza que não prefere uma água de coco?” Imagina, ela não podia calcular o prazer que eu sentia em poder beber. Comecei a rir desenfreadamente e ela achou esquisito.
Minha mãe apareceu. Abriu a porta da sauna, viu meu copo e chorou. Dei um berro no momento em que percebi que estava sendo desmascarada. A gravidade daquela cena só poderia ser sentida por minha mãe, que sabia que não fazia nem duas semanas que eu tinha saído da internação.
Paula também nunca esqueceu. Ela me contou na semana passada, no almoço. Eu estava feliz de encontrar essa amiga querida e em um dado momento me dei conta de que ela não sabia de grande parte da minha vida. Das internações, do AA, das dores que passei e que vinha enfrentando. Decidi abrir a conversa. Falei que era alcoólatra. Ela olhou para mim e disse que sabia. Lia as colunas.
Como assim?
“Você comentou comigo o filme ‘Dias Perfeitos’ falando exatamente aquilo que escreveu no jornal.” Ela ficou com a pulga atrás da orelha e teve a confirmação depois que releu algumas passagens do blog. Sobre meu cachorro, a relação com minha irmã.
Eu sabia que algum dia poderia ser descoberta, mas não queria que justo a Paula soubesse dessa forma. A sensação que ela teve foi de que eu achava ela “muito boba”. Imagina.
Não tem a ver com ela. Por isso comecei a escrever o bilhete. Quero que ela tenha a certeza do tamanho da minha amizade por ela. A questão é que eu tenho vergonha de falar do meu alcoolismo. Que coisa louca, não? Eu escrevo aqui sem me censurar…
Se, por um lado, achei muito triste, por outro confesso que foi prático. Paula disse que o amor que sentia por mim jamais seria abalado pela minha doença, que nada do que eu tivesse feito iria fazer ela gostar menos de mim. Penso que meu medo se deve às tantas amizades que perdi por causa das minhas maluquices da ativa. É um trauma mesmo.
Faz quase dois anos que mantenho esse espaço e as alegrias só aumentam. “Alice, você viu que até o Ruy Castro elogiou sua coluna?” Sim, Paula, eu vi. Mas nada se compara com a alegria de ver sua cara feliz e com lágrimas nos olhos de finalmente poder conversar comigo sobre tudo. Você me deu a esperança e a certeza de que não preciso mais ter medo de perder uma amizade porque eu estou no caminho certo e porque, como dizem meus companheiros de AA desde o começo do tratamento: “Você não tem culpa de ser alcoólatra. É uma doença.”
É isso.
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