No seu conto “Carmela”, do livro “Brás, Bexiga e Barra Funda”, Antônio de Alcântara Machado (1901-1935) faz um belo mapa do centro novo, que começa na rua Barão e Itapetininga, cruza a praça da República e a rua do Arouche, vai até a rua das Palmeiras para chegar na rua Lopes de Oliveira, na Barra Funda.
É lá que mora a mocinha Carmela, uma vendedora de roupas na Barão de Itapetininga. Em “Gaetaninho”, outro conto, aparece a rua Oriente, no Brás. A rua do Gasômetro também é um endereço.
É prazeroso saber que esses lugares ainda existem. No livro, Alcântara Machado retrata a pujança da cidade, sua expansão e a inserção dos italianos na sociedade paulista no começo do século 20, o que era um movimento de grandes proporções.
Entre 1875 e 1900, 803 mil imigrantes europeus chegaram ao Brasil e, desse total, 577 mil eram italianos. E muitos paravam para tentar a sorte em São Paulo e se instalaram em massa em bairros como Brás, Bexiga e Barra Funda.
Alcântara Machado captou a imagem desse tempo com suas narrativas curtas e uma linguagem direta, que buscava representar a fala dos italianos. Elaborou um linguajar ítalo-paulistano. Definiu seu livro pela geografia e mostrava cenas da vida cotidiana.
São Paulo, que era uma cidade portuguesa e começava a receber imigrantes de muitas nacionalidades, em poucas décadas se tornou completamente italianada. O presente se insinua em “Brás, Bexiga e Barra Funda”. Um dos contos chamado “Corinthians (2) vs. Palestra (1)” mostra essa atualidade nos assuntos e revela a grande rivalidade entre dois dos maiores times da cidade na década de 1920. Também está ali a movimentação do povo na avenida Água Branca em torno do Palestra Itália.
Alcântara Machado nasceu em São Paulo, e estudou na faculdade de Direito do Largo São Francisco. Em vez de se dedicar à carreira de advogado, decidiu trabalhar como jornalista e no final de 1924 chegou a ocupar o cargo de redator-chefe do Jornal do Comércio. Não participou da Semana de Arte Moderna de 1922, mas se alinhou com os modernistas.
O jornalismo era sua vocação. Em 1925, viajou à Europa, onde já estivera, e passou por Lisboa, Paris, Londres, Itália e Espanha. Dessa viagem nasceu “Pathé-Baby”, seu primeiro livro de crônicas e reportagens, que recebeu prefácio de Oswald de Andrade.
Quando publica a primeira edição de “Brás, Bexiga e Barra Funda”, Alcântara Machado substituí o prefácio por um texto chamado “Artigo de Fundo”, onde ele diz: “Este livro não nasceu livro: nasceu jornal. Estes contos não nasceram contos: nasceram notícias. E este prefácio portanto também não nasceu prefácio: nasceu artigo de fundo.”
Numa obra póstuma, de 1940, chamada de “Cavaquinho e Saxofone”, está reunida toda sua produção de 10 anos de crônicas e artigos jornalísticos. Embora não tivesse qualquer ascendência italiana, percebeu, circulando nas ruas e com sensibilidade de repórter da imigração que esses recém-chegados estavam transformando a cidade
Alcântara Machado escreveu outro livro de contos chamado “Laranja da China” e deixou um romance inacabado, “Mana Maria”. Morreu jovem, aos 34 anos.
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