Enquanto Donald Trump promovia mais um de seus shows de horrores em um discurso ao Congresso dos Estados Unidos, Pequim dava quase ao mesmo tempo o pontapé das Duas Sessões. É o evento legislativo mais importante do calendário político chinês e sempre traz pistas valiosas acerca da visão estratégica do país no ano que se inicia.
A começar pela meta de crescimento econômico, mais uma vez estabelecida em 5%, igual à do ano anterior. É uma tentativa clara de transmitir uma mensagem de estabilidade e confiança ao mercado global e um sinal de que a China está disposta a intensificar seus esforços econômicos internos diante das dificuldades externas, sobretudo com o agravamento das tensões comerciais com os EUA e com a fragilidade do consumo doméstico.
O premiê Li Qiang também anunciou aumento significativo no déficit fiscal de 3% para 4% do PIB e o crescimento de quase 13% nos títulos especiais emitidos por governos locais, sinais de que Xi Jinping planeja lançar mão de variadas políticas fiscais para impulsionar a economia.
Um aumento de um ponto percentual no déficit, especialmente para um país como a China que tradicionalmente mantém uma postura fiscal mais cautelosa, é uma mudança relevante que colocará à prova o delicado equilíbrio que Pequim tenta manter: estimular o crescimento econômico sem comprometer a sustentabilidade da dívida pública.
A predisposição a um pouco mais de risco em prol da recuperação do crescimento também é perceptível no tom adotado quanto à política monetária, que nas palavras de Li, passa de prudente para “moderadamente frouxa”. Isso vai permitir que reguladores econômicos do Banco Popular da China tenham mais flexibilidade para cortar juros e reduzir a taxa de reserva obrigatória dos bancos, facilitando crédito e ampliando o estímulo ao consumo e ao investimento, duas áreas que andam devagar nos últimos anos.
No entanto, a estratégia mais significativa das Duas Sessões deste ano talvez esteja na aposta em setores de alta tecnologia. Diante do aumento das restrições tecnológicas impostas pelos EUA, a China decidiu dobrar seus investimentos em inovação, com foco explícito em inteligência artificial, tecnologia quântica e biomanufatura.
Na prática, isso significa que Pequim não apenas reconhece a importância da independência tecnológica, como também está comprometida em acelerar essa transição, independentemente das pressões externas. Isso terá repercussões diretas na economia global, ampliando a concorrência tecnológica com o Ocidente e criando novas dinâmicas no mercado mundial de inovação.
Além disso, reformas internas, como a otimização das políticas de férias para distribuir melhor o turismo ao longo do ano e o compromisso renovado com a igualdade de tratamento entre empresas nacionais e estrangeiras, apontam para uma tentativa pragmática de sustentar a economia chinesa via consumo interno.
China, terra do meio
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O sucesso dependerá significativamente da recuperação da confiança dos próprios chineses na capacidade de resolver tais gargalos, já que desafios estruturais como o endividamento elevado das províncias e a contínua desaceleração do mercado imobiliário continuam sendo riscos no radar de investidores.
Xi e os seus colegas mostraram disposição para afrouxar as regulações mais rígidas do sistema. A implementação de tais ambições ditará os rumos da economia por lá e, por consequência, no resto do mundo.
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