Informações na mesma linha
Telefone: (21) 97026-3221
Endereço: Rua Viçosa do Ceara, 157, Paciência, Rio de Janeiro - RJ

Você já deve ter ouvido falar de Luigi Mangione. Minha ideia hoje era escrever sobre o documentário que a Max lançou há alguns dias sobre o jovem de 26 anos que matou um poderoso CEO de uma seguradora de saúde, Brian Thompson, em dezembro.

Mas, ao fazer uma pesquisa na internet, fui atropelado por uma nova bomba sobre o rapaz. De acordo com o Radar Online, um site especializado em…fofocas, Mangione teria produzido ao menos 20 “sex tapes”, filmando a si mesmo transando com garotas, com direito a iluminação e edição profissionais.

Foi o suficiente para tacar fogo no X, ex-Twitter, com fãs do assassino implorando para alguém postar o link com os tais vídeos. E mais: um “crowndfunding” criado para que fãs e apoiadores ajudem a pagar a defesa de Mangione, cuja meta é chegar a US$ 1 milhão (R$ 5,76 milhões no câmbio atual), viu as doações dispararem após a nova fofoca –na última quinta, já tinha superado US$ 650 mil (mais de R$ 3,75 milhões).

O JUSTICEIRO

Ninguém vira mito por acaso. O caso Luigi Mangione reúne tantas camadas que é difícil saber por onde começar. Primeiro, o seu crime provocou uma catarse no americano de classe média e pobre que há anos sente que é explorado por um sistema de saúde privado que cobra caro e dá pouco retorno, adiando e cancelando tratamentos e cirurgias sem grandes justificativas.

Não por acaso, um dos movimentos lançados nas redes em apoio a Mangione pedia que as pessoas postassem seus recibos e faturas com suas despesas médicas mais abusivas. Aqui, já temos uma primeira situação em que, para muitos, a raiva de um sistema falho (um fator emocional) se sobrepôs a um pensamento racional que deveria ser óbvio: ninguém tem o direito de atirar em outra pessoa no meio da rua, na frente de um hotel, em nome dessa revolta.

Em defesa dessa raiva, um argumento rapidamente apareceu: “o que é a morte de um poderoso diante das centenas de pessoas que morrem sem receber atendimento médico pela ganância dessa empresa?”.

O segundo fator tem a ver com as tais “sex tapes”: Luigi é homem, branco, jovem, bonito, sarado. Assim que foi detido, sua figura provocou um furacão de libido nas redes. Os fãs celebram cada nova foto do arquivo pessoal do rapaz que é descoberta e divulgada, seja da infância, da adolescência ou do presente –claro, as sem camisa valem mais.

Ao ver o documentário do Max –de curta duração (42 minutos), feito a toque de caixa para pegar ainda quente a repercussão do caso–, é difícil não se perguntar: será que o assassino teria tantos defensores se fosse negro, ou pobre, ou desprovido de qualquer beleza? Ou o apoio gigantesco que o rapaz recebeu diz muito sobre uma cultura da virilidade e da supremacia branca que mantém seu poder mesmo após anos de discursos feministas e pró-minorias?

Num dado momento, o filme, a pretexto de contar sua história pregressa, revela que Mangone contraiu a doença de Lyme quando tinha 13 anos. Trata-se de uma bactéria contraída por carrapato que pode causar coceira, febre e dor de cabeça e, em menos de 20% dos casos, provocar fadiga e perda de memória ao longo da vida.

A partir de frases postadas por Mangione nas redes em que diz que sente às vezes uma “névoa cerebral”, o filme já considera se essa “névoa” poderia ter levado ao desequilíbrio mental que o levou ao crime.

Houve ainda uma lesão grave na coluna, agravada por um acidente de surfe no Havaí, que provocariam dores permanentes no moço. Em nenhum momento, considera-se que Mangione estava lúcido e sabia do que fazia contra o tal CEO –detalhe: ele não era nem nunca foi cliente da tal seguradora.

Resumindo: é muito esforço para entender as motivações e passar pano para um assassino, um privilégio que um cidadão negro ou uma mulher provavelmente não ganhariam. Moral da história: o sistema de saúde dos EUA pode ser injusto, mas os critérios das pessoas para endeusar ou condenar os outros não parecem ter um equilíbrio muito maior.

“Luigi Mangione: O Assassino do CEO”

Disponível no Max

Foto de Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Foi repórter na Folha de S.Paulo e colunista do UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow)