Nossa musa Fernanda Torres emagreceu 10 Kg para interpretar Eunice Paiva. Perto das atrizes que desfilavam pelo tapete vermelho do Oscar, ela parecia estar “acima do peso”. Fernanda é elegante e tem carne —encarnou Eunice sem falta nem excessos. Demi Moore, que já era magra, apareceu substancialmente mais magra. De Nicole Kidman, que já era esquelética, só sobraram clavículas e bochechas preenchidas. Ariana Grande encolheu de PP para PPP. Sua colega de Wicked, Cynthia Erivo, que já declarou que adora batatas fritas, teve que substituí-las por folhas de rúcula para caber no vestido e sair bem nas fotos. São atrizes lindas, talentosas e inteligentes, que estão deixando seus corpos se definhar a níveis perturbadores de magreza.
Se havia alguma consistência no movimento da positividade corporal, hoje ele perdeu todo o seu peso —não resisti ao trocadilho. A perigosa crença de que magreza é sinônimo de beleza voltou com força.
Quer uma prova? Fique dez minutos no balcão de uma farmácia e você certamente ouvirá a palavra Ozempic —ou similares como Wegovy e Mounjaro. A onda insana do uso de drogas injetáveis para fins estéticos sepultou de vez a positividade corporal e deu uma canetada —outro trocadilho irresistível— na ideia da valorização do corpo com suas características próprias. A tirania dos padrões estéticos continua esmagando sobretudo as mulheres.
A verdade é que o uso indiscriminado do Ozempic é uma das provas de que o movimento de positividade corporal foi uma farsa. Apesar da boa intenção por trás de lemas fofos como “faça o que te faz sentir bem”, “todos os corpos são lindos” e “meu tamanho não é meu valor”, as mulheres não abraçaram as suas estrias, não amaram as suas curvas e não celebraram seus corpos fora dos moldes e medidas: mudanças não acontecem por sentenças motivacionais. Seria ingênuo acreditar que mensagens tão insossas e genéricas sobre a nossa complexa relação com a imagem corporal teriam força para competir com os padrões estreitos de beleza tão enraizados na magreza.
Vamos deixar claro. Não sou anti-Ozempic. Muito pelo contrário, devemos celebrar esse medicamento revolucionário, que beneficia tanta gente e trouxe grandes transformações na saúde. Eu, que tento despistar a gordura que a menopausa misteriosamente insiste em jogar para minha cintura, guardo a possibilidade de me socorrer das canetas para quando meus botões derem sinais de exaustão.
Meu ponto aqui são os efeitos colaterais que vão muito além da saúde física. Por mais conscientes que sejamos, a popularização da semaglutida foi a última palavra na declaração de guerra contra a gordura e a confirmação do culto à magreza.
Um dos piores efeitos dessa mentalidade é a percepção distorcida do próprio corpo, que afeta principalmente jovens, que são mais vulneráveis a sofrer transtornos alimentares. Essa distorção é reflexo de uma distorção ainda maior: sob o pretexto da falsa ideia de “autocuidado”, a tal da positividade corporal foi insidiosamente desvirtuada para legitimar a busca obsessiva por um corpo considerado “perfeito” —e, portanto, inalcançável.
É uma busca sem fim, que nos faz perder de vista o verdadeiro significado de saúde, bem-estar e até da própria beleza.
Gosto não se discute, mas quem consegue achar normal essa falta de bundas e sobra de ossos saltados como sinônimo de elegância?
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