O que me incomoda, aí sim, é a certeza com que muitos se entregam a digressões sobre o que seria o mais adequado para o governo e para o próprio Lula. Estão tão convictos de suas certezas e distinguem com tal precisão aquelas que seriam as melhores escolhas que a gente se pergunta: “Meu Deus! Como é que o presidente não enxerga o óbvio se até aqueles que o detestam podem fazê-lo?” E haverá, claro!, quem não atente para a ironia… Comecemos a voltar à indicação de Gleisi, que toma posse nesta segunda.
Eu mesmo observei em “O É da Coisa”, na BandNews FM e no BandNews TV, que indicaria, se no lugar de Lula, Silvio Costa Filho, do Republicanos, para as Relações Institucionais. Do modo como vejo o quadro político, penso que o presidente deve tomar decisões para reforçar a “frente” que está no governo — ou quase isso em tempos de emendas impositivas —, e o atual ministro de Portos e Aeroportos têm trânsito fácil tanto no centrão como entre os progressistas. A eventual indicação de Gleisi provocaria, como provocou, a crítica fácil sobre a suposta “guinada do governo à esquerda”, coisa que entendo falsa como nota de R$ 3. Consta que Costa Filho chegou a ser sondado para o cargo, mas ele e o presidente teriam chegado à conclusão de que, à diferença do meu achismo, não seria a melhor saída. Isso vai aqui na forma de hipótese porque nem o presidente nem o ministro me disseram que as coisas se deram desse modo. Fala-se muita coisa em Brasília e sobre Brasília o tempo todo. Parte da produção criativa está na imprensa, por certo.
Continuemos a pensar: se a plêiade de doutores que escrevem sobre política avalia — e não sem razão se esta tivesse sido a escolha de Lula — que a radicalização à esquerda seria contraproducente para o governo, não seria ao menos prudente indagar, antes que se asseverasse que assim procedeu, por que ele o faria? Por quê?
O Lula que venceu cinco das nove diretas, cujo partido disputou duas vezes o segundo turno e chegou em segundo outras duas, está a precisar dos, sei lá como chamar, conselhos e do tirocínio de quem é incapaz de fazer ao menos uma sustentação lógica?
QUAL A HIPÓTESE?
“Ah, sendo, então, assim, nunca se poderá fazer uma crítica já que ninguém tem a experiência de Lula na política”. Que besteira! É claro que há erros, decisões que não rendem os frutos esperados, incompreensões da realidade, leituras impróprias sobre demandas que estão na sociedade. Essa é a constante dos governos mundo afora. Os bons analistas do ramo são capazes de apontar até alguns acertos… O meu ponto é outro: se o presidente fez a suposta opção pela radicalização à esquerda, é forçoso que se tenha uma hipótese plausível sobre as suas pretensões, que não seja só essa bobagem de um governante encurralado, encastelado, que não enxerga um palmo adiante do nariz, enquanto o país arderia, convulso, em razão das irresoluções do líder ou de suas escolhas insanas.
Ocorre que inexistem tanto esse país como esse príncipe convertido em plebeu do próprio governo. Essa é uma fantasia derivada da obsessão de alguns setores, especialmente aqueles que identifico como “extremistas de centro”, de superar a dita “polarização”. Essa palavra virou uma gaveta em que se juntam clichês e badulaques da desinformação política mais grosseira, quando não da má consciência mesmo. Como Jair Bolsonaro não vai disputar a eleição de 2026 — e, pois, o homem que representa um dos “polos” estará fora do jogo —, força-se a mão para que também seja expulso do campo aquele que simbolizaria o seu oposto. O fato é que o inelegível e denunciado é, sim, a encarnação da extrema direita, mas Lula não é um extremista de esquerda. A tese, nesse caso, da exclusão dos “opostos” implica que se igualem um democrata e um fascistoide. É um raciocínio indecente, que rebaixa a democracia e flerta com os vários tons de fascismo.