
A cena se repete com novas cores, novos nomes, mas com a mesma lógica de sempre. A mais recente foi batizada de “Operação Expurgo”, deflagrada pela Polícia Civil e pelo Inea, e escancarou mais um capítulo da velha prática de transformar territórios pobres em depósito de lixo tóxico. O alvo da vez: o bairro do Caju, na zona portuária do Rio de Janeiro. A investigação aponta um esquema criminoso de descarte irregular de resíduos perigosos, com fraudes em documentos de transporte e uso de empresas de fachada para esconder a destinação real dos dejetos. O material, que deveria ser tratado com rigor técnico e ambiental, foi simplesmente despejado em áreas próximas à Baía de Guanabara, expondo moradores a riscos que vão da contaminação do solo ao comprometimento da saúde pública. Esse caso não é isolado — é estrutural.
Bairros como o Caju não são escolhidos por acaso. São regiões marcadas pelo abandono histórico do poder público, pela falta de infraestrutura básica e pela invisibilidade política. Lugares onde a lógica econômica do descarte criminoso se soma à desigualdade social: onde o lixo vai parar é, quase sempre, onde moram os que menos podem reagir. Esse tipo de crime é o que especialistas vêm chamando de “racismo ambiental” — um conceito que escancara como a degradação ambiental e os impactos da poluição afetam de forma desproporcional populações negras, indígenas e periféricas. O Atlas da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, publicado pela Fiocruz, mapeia centenas de casos semelhantes em todo o país, revelando o padrão: a degradação se concentra onde há menor renda, menor assistência do Estado e maior vulnerabilidade social. E não é só ecológica. É humana. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 24% das mortes no mundo estão relacionadas a fatores ambientais evitáveis, como poluição do ar, exposição a substâncias tóxicas e falta de saneamento.
No Brasil, os mecanismos de controle ambiental seguem fragilizados. De acordo com dados do próprio Ibama, o número de multas aplicadas por infrações ambientais caiu 39% entre 2018 e 2023. Além disso, grande parte das penalidades sequer é paga — e quando é, o valor dificilmente cobre os danos causados. Enquanto isso, os moradores do Caju convivem com contaminações invisíveis, doenças silenciosas e promessas vazias. O que está em jogo não é apenas o meio ambiente. É o direito básico à vida digna. A “expurgação” que precisamos vai além de ações policiais. É urgente repensar o modelo de desenvolvimento que transforma comunidades em aterros, e vidas humanas em estatística ambiental. Porque não haverá justiça climática sem justiça social.