O ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), usou em janeiro um avião da Força Aérea Brasileira para fazer um bate e volta entre o litoral da Bahia, onde passava férias com a família, e Brasília.
Juscelino precisou viajar até a capital federal no dia 10 de janeiro, após ter sido chamado pelo presidente Lula (PT) para uma reunião no Palácio do Planalto. Ele argumentou que não havia outra forma de chegar a tempo para o compromisso e que, por isso, solicitou ao governo a aeronave.
No mesmo dia, após o encontro com o presidente, o ministro pediu um avião da FAB para levá-lo de volta a Porto Seguro (BA).
A regra para uso de aviões da Força Aérea por ministros de Estado abrange voos de emergência médica, razões de segurança ou viagens a serviço.
Juscelino Filho tinha seu período de férias em todo o mês de janeiro. Ele foi chamado a Brasília para a reunião com Lula e outros ministros no dia 10 para discutir as novas diretrizes de moderação de conteúdo da Meta, que causaram grande repercussão no mundo.
No ofício encaminhado à FAB para solicitar o avião, o gabinete do ministro justificou que a reunião havia sido marcada para as 10h e que não havia outra forma de chegar a tempo para o compromisso. Ele argumenta que foi convocado por volta das 18h do dia anterior.
“Em consulta às companhias aéreas, não foi encontrada possibilidade de voo comercial que chegue a tempo do cumprimento da referida agenda, considerando que o ministro das Comunicações encontra-se em Trancoso/BA”, afirma o documento.
Pesquisa nos sites das companhias aéreas mostra que há um voo, todas as sextas-feiras, que sai de Porto Seguro às 3h40 e chega a Brasília por volta das 9h, com uma escala. Mas não é possível saber se havia vagas nesses voos.
O anúncio da Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp) com suas novas diretrizes ocorreu na terça-feira anterior, dia 7. O presidente Lula havia declarado publicamente, ainda na manhã de quinta-feira (9), que faria uma reunião para tratar do tema.
O avião da FAB que saiu de Brasília com destino a Porto Seguro para buscar Juscelino levava um assessor do ministro, que tinha o intuito de atualizá-lo dos últimos acontecimentos, assim como prepará-lo para a reunião.
O encontro com Lula durou cerca de duas horas. Logo após o término, o ministro embarcou novamente no avião da FAB e seguiu para Porto Seguro para continuar as férias.
Questionado pela Folha, o Ministério das Comunicações afirmou que o voo para Brasília era uma viagem a serviço e alegou “necessidade de deslocamento imediato” para a reunião ministerial com o presidente. De acordo com a pasta, o voo da Aeronáutica era “a única maneira de chegar a tempo em Brasília para a reunião e retornar ao local onde estava com sua família”.
A assessoria de Juscelino não respondeu o motivo de o ministro ter utilizado novamente um voo oficial para retornar à Bahia, quando não havia urgência de chegar ao destino e havia alternativas de voos comerciais em diferentes datas.
Voos comerciais de Brasília para Porto Seguro, nas tardes de sexta-feira, são oferecidos por mais de uma companhia aérea, com uma escala. No sábado, dia seguinte, há um voo direto logo pela manhã, com duração de menos de duas horas.
O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), por exemplo, um dos homens fortes do governo Lula, participou da mesma reunião, teve outros compromissos na capital federal em seguida e voltou para casa em Salvador em um voo comercial no mesmo dia. O custo da viagem foi de R$ 2.600.
O Ministério das Comunicações afirmou ainda que todo o procedimento para o deslocamento de Juscelino foi feito com “total transparência e de forma estritamente legal”.
“É importante destacar que, nas outras três ocasiões em que interrompeu suas férias para compromissos oficiais em Brasília, o ministro não utilizou os serviços da FAB, pois, nestes casos, havia disponibilidade de voos e tempo hábil”, diz o texto do ministério.
Especialistas ouvidos pela Folha avaliam que a volta para Porto Seguro não estaria incluída no conceito de “viagem a serviço”. Eles apontam, por outro lado, que o decreto que versa sobre o tema não traz detalhamentos.
A norma mais recente, editada em 2020 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), restringiu as solicitações para viagens por motivo de emergência médica, segurança ou serviço.
“A volta do ministro para o destino de férias não me parece que poderia ser incluída no conceito de ‘viagem a serviço’”, disse o professor de direito administrativo da FGV André Rosilho.
“Por essa razão, o uso de avião da FAB para o regresso ao destino de férias me parece questionável. O mais natural seria que o deslocamento fosse realizado em voos de linha aérea comercial”, completou.
De acordo com o especialista, o governo poderia custear o retorno em um voo comercial para as férias do ministro, em vez de utilizar avião da FAB.
Em agosto de 2023, a Comissão de Ética da Presidência da República arquivou uma apuração contra o ministro Juscelino Filho por ter aproveitado uma viagem em avião da FAB para participar de um leilão de cavalos.
O ministro é criador da raça Quarto de Milha, utilizada em vaquejadas e outras modalidades esportivas.
Por unanimidade, os integrantes do colegiado entenderam que o ministro seguiu todas as diretrizes da legislação ao usar a aeronave em uma viagem a São Paulo.