São Paulo
Pois é, nem toda a energia reunida nos blocos de Carnaval foi suficiente para dar o Oscar a Fernanda Torres. Mas o momento é de ver o copo meio cheio: quebramos um jejum de 62 anos em Filme Internacional, desde que fomos indicados pela primeira vez, com “O Pagador de Promessas”, em 1963.
Atravessamos os anos 90 com três indicados e nenhuma vitória. E passamos os últimos 25 anos sem nenhuma indicação. Por tudo isso, a vitória de “Ainda Estou Aqui” coloca o cinema brasileiro em outro patamar aos olhos do mundo. Só resta saber se esse levante vai acontecer com novos filmes brasileiros aqui, dentro de casa.
É preciso comemorar: vencemos “Emília Perez”, o recordista de indicações da noite (13), que no fim saiu com apenas dois troféus. Isso depois de um investimento milionário da Netflix, dona do filme nos EUA.
Sim, o cancelamento gradual do filme dentro e fora dos EUA também foi determinante para a nossa vitória -assim como foi fundamental a inclusão de “Ainda Estou Aqui” na categoria principal, Melhor Filme, fazendo com que ele fosse visto por um número bem maior de votantes da Academia.
No mais, foi lindo ver Fernanda aparecer em alguns flashes ao longo da cerimônia e mandar um “I love you” emocionada para Walter na hora do discurso da vitória. Se boa parte do público apostava que a maior adversária dela era Demi Moore por “A Substância”, o Oscar foi parar das mãos de Mikey Madison, de “Anora”, a mais jovem da categoria, com apenas 25 anos.
Mikey tem muito mais força do que Gwyneth Paltrow, mas sua vitória deixou nos brasileiros um sabor amargo parecido com a derrota de Fernanda Montenegro para a loira de “Shakespeare Apaixonado”, em 1999.
A vitória de Mikey e a derrota de Fernanda reafirmam algumas tendências antigas da Academia: apostar em novas atrizes que tenham potencial de uma longa carreira em Hollywood –como também aconteceu com Emma Stone, Brie Larson e Jennifer Lawrence, entre outras; e uma certa lógica de que, para um ator ou atriz em língua não inglesa, a indicação já costuma ser a própria vitória.
Meu Deus, que discurso longo
No mais, o Oscar fez uma cerimônia bem longa como de costume, com o Oscar para o Brasil saindo lá pela terceira hora da festa –e ainda esperaríamos mais 40 minutos para abrirem os envelopes de Atriz e Filme. Apesar das boas piadas do apresentador Conan O’Brien, não há paciência que resista quando a cerimônia ultrapassa as duas horas e meia de duração.
Melhor ator, Adrien Brody fez um discurso longuíssimo, proporcional à duração de seu “O Brutalista”, de três horas e meia. Confuso, ficou mais nos agradecimentos pessoais e não mirou bem o discurso político: falou em luta contra o antissemitismo quando poderia ter defendido todos os imigrantes humilhados na era Trump, a própria alma do filme.
Coube a Zoe Saldaña, a melhor atriz coadjuvante por “Emília Pérez”, fazer essa crítica com mais ênfase em seu discurso, lembrando os pais imigrantes –a mãe da República Dominicana, o pai de Porto Rico. Em 25 anos de Hollywood, esta foi a primeira vez em que ela teve a chance de atuar em espanhol.
E claro, sempre é bom rever antigos ícones dando as caras no Oscar para lembrar que não morreram nem estão na Record. Daryl Hannah, de “Splash – Uma Sereia em Minha Vida” e “Kill Bill” (que ainda mandou um “Glória à Ucrânia”), Mark Hamil (o Luke Skywalker de “Star Wars”), Morgan Freeman e o casal de “Harry e Sally”, Meg Ryan e Billy Crystal, foram alguns dos que apareceram para matar a nossa saudade de fãs.
Sem contar uma homenagem muito fofa que quase passou despercebida: Isabella Rossellini, indicada por “Conclave”, foi de vestido de veludo azul e sentou-se ao lado de Laura Dern, sua colega em “Veludo Azul” (1989), de David Lynch, que morreu em janeiro. Para quem ama Hollywood e o grande cinema, são momentos que valem mais do que a entrega das estatuetas.