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Quem se divertiu com a primeira temporada de “Mo” pode levar um susto com a segunda, recém-lançada pela Netflix. Disponível desde o dia 30 de janeiro, dez dias depois da posse de Donald Trump, a nova leva de episódios parece ter antevisto a fúria anti-imigração e a diplomacia do governo.

Inspirada vagamente na vida do comediante e ator Mo Amer, os oito episódios da primeira safra faziam rir com as reflexões e soluções heterodoxas que um refugiado palestino encontrava para enfrentar as dificuldades em seu cotidiano em Houston, no Texas.

A série foi criada em parceria com Ramy Youssef, autor e protagonista de uma premiada série estrelada por um imigrante muçulmano do Egito, vivendo em Nova Jersey. Com episódios curtos, de 25 a 30 minutos, tanto “Mo” quanto “Ramy” podem ser classificadas como “dramédias“.

Em situação irregular, buscando asilo há duas décadas, o personagem Mohammed Najjar, o Mo, se vira como camelô, vendendo bolsas de grife falsificadas.

Muçulmano, passa o tempo bebendo refrigerante e jogando conversa fora com uns poucos amigos, todos de origem humilde, enquanto tenta engatar um namoro com uma mexicana católica, Maria, vivida por Tereza Ruiz.

Sempre rindo da própria desgraça, de forma voluntária ou não, o personagem esbanja carisma. O humor de Mo Amer às vezes lembra o de Donald Glover em “Atlanta“. Suas piadas são certeiras e afiadas, mas raramente pesadas. É um humor de alguma forma subversivo, porque faz pensar, mas não fecha portas.

Como escreveu Luciana Coelho nesta Folha, falando da primeira temporada, “Amer faz graça de sua dor, mas não a diminui —uma ferramenta, aliás, notabilizada pelos grandes comediantes judeus. Mas a tristeza, as dificuldades e as agruras de alguém que se descreve como ele estão ali sem muito disfarce, e é bom que as vejamos.”

É difícil não rir, mesmo sendo dramático, quando a família de Mo troca uma advogada palestina que acompanhava o seu caso há anos por uma judia. Em nome do pragmatismo, deixa-se a religião de lado, para tentar regularizar a situação e obter documentos oficiais americanos.

Lançada em 2022, a primeira temporada termina de forma mirabolante com Mo se deportando acidentalmente para o México. Esse é ponto de partida para a retomada da série em 2025. O comediante consegue rir mesmo da dramática epopeia que enfrenta para regressar aos Estados Unidos.

A temperatura sobe quando Mo descobre que Maria está namorando um chef israelense. O plot cruel serve para uma infinidade de piadas sobre a culinária mediterrânea e uma eventual apropriação cultural. “Não se pode dizer que homus é israelense. Israel existe há o quê? Uns 75 anos? O homus existe há milhares de anos”, protesta o protagonista.

Mo Amer só não consegue fazer piada, e tem razão para isso, no episódio em que a família Najjar visita os parentes na Cisjordânia ocupada por Israel. Depois de mostrar o muro erguido na fronteira dos Estados Unidos com o México, ele expõe o isolamento, também mantido por muro, e a opressão a que os refugiados são submetidos.

Não há notícias sobre uma terceira temporada de “Mo”. O próprio comediante tem dito considerar a segunda temporada como final. Mas, diante do que acontece hoje tanto nos EUA quanto no Oriente Médio, pode ser útil que Mo Amer volte com mais reflexões afiadas e bem-humoradas sobre a realidade.


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