Na véspera da reunião extraordinária da cúpula da União Europeia para tratar da defesa em face da situação da Ucrânia, agora com ajuda militar norte-americana suspensa, o presidente francês Emmanuel Macron, via televisão, transmitiu aos franceses uma mensagem que, certamente, não será bem digerida pelo presidente Donald Trump. E muito menos pelo presidente Vladimir Putin.
Com semblante de preocupação, Macron afirmou: “A ameaça da Rússia diz respeito a toda a Europa. Nossa prosperidade e segurança estão ainda mais incertas”.
Atenção: da mesma maneira que Zelensky não admite, sem a participação da Ucrânia, a costura de um acordo de paz por Trump e Putin, o presidente francês avisou: “O futuro da Europa não pode ser decidido por Washington e Moscou”.
No célebre telefonema dado por Trump a Putin, os dois decidiram enviar representantes para tratar do tema da guerra em Riad, sem as presenças da Ucrânia e da União Europeia. Algo visto como arrogância de quem se acha dono do mundo.
Macron, na transmissão televisiva, falou de uma “nova era para o Velho Continente”, na mesma linha populista de Trump, no seu discurso de terça feira no Congresso: “A era do ouro estará de volta” aos EUA e, sem perceber que repetia Biden, soltou um “os EUA estão de volta”, sempre com o ufanismo de primeira potência mundial.
Sem reservas
Sem a costumeira reserva dos chefes de Estado, Macron resolveu tocar na ferida que tanto incomoda Putin, quando se ressalta o seu desejo expansionista, o seu sonho imperial. Perguntou Macron aos telespectadores: “Quem pode acreditar que a Rússia irá parar na invasão da Ucrânia?”
Ao perguntar, o próprio Macron ofertou a resposta: “A Rússia do presidente Putin mobilizou soldados norte-coreanos, equipamento iraniano, violou as nossas fronteiras para assassinar os seus opositores, manipulou eleições na Romênia e na Moldávia”. (Os 007 europeus apontam enclaves filo-russos na Moldávia como próximos alvos da Rússia: enclaves em partes da Transnístria.)
Mostrando que não estava para esconder nada, Macron foi adiante: “A Rússia continua a rearmar-se, empregando mais de 40% do seu PIB e projetando para as suas forças mais de 300 mil soldados, até 2030, 3.000 carros armados e mais de 300 caças aéreos”.
Não deixou de recordar, ainda, que a Rússia violou o acordo Misk II, acordo para cessar-fogo no leste da Ucrânia, em fase de conflito iniciado entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014. Como se sabe, a Rússia, depois da ocupação da Crimeia, continuou, apesar do acordo, a dar apoio aos separatistas filo-russos do Donbass.
Ao recordar Misk II, o presidente Macron concluiu: “Não podemos mais acreditar nas palavras da Rússia”.
No vértice extraordinário de quinta feira, Macron, que busca uma liderança europeia para compensar o seu desprestígio interno pós eleitoral e depois do erro estratégico de dissolver o Paramento francês, deverá voltar a atacar verbalmente a Rússia e aproveitar que, por não fazer mais parte da União Europeia, não terá a voz moderada do premiê do Reino Unido, Keir Starmer.
Reviravoltas
No domingo passado o premiê do Reino Unido costurou com Macron e os 19 outros chefes de Estados e de governos convidados, um apoio à Ucrânia. Na ocasião, o encontro ocorreu em Londres, na Lancaster House. A presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, apresentou uma proposta de 800 bilhões de euros para financiar os estados-membros em investimento com a defesa.
Pelas regras de Maastricht, tratado que deu vida à União Europeia, cada Estado-membro tem autonomia bélico-militar, Daí a proposta de von dee Leyen, focada em financiamento em quatro anos. E num modelo exitoso, pois irá a repetir a ajuda dada ao tempo da chamada “emergência covid”.
Starmer passou a ser liderança importante, quer por ser a Grã-Bretanha aliada dos EUA, quer ser potência nuclear bem acima do poderio da França. O premiê anfitrião recebeu calorosamente Zelensky e, no encontro, abriu porta a Trump ao afirmar ter “certeza absoluta, “plena confiança”, de estar ele realmente empenhado em obter a paz.
De domingo até essa quarta de cinzas, tudo mudou.
Zelensky teve de dobrar a coluna vertical. Retratou-se na frase que desagradou Trump: “A paz está cada vez mais distante”. Zelensky disse, agora, estar pronto para aceitar um cessar-fogo e até assinar uma parceria com os EUA para exploração em conjunto das chamadas “terras raras” (até agora, conforme apontam os 007 dos serviços de inteligência europeu, não existe, em toda a Ucrânia, nenhum posto ou mina de exploração).
O recuo de Zelensky, para os especialistas em geoestratégia e os operadores do direito internacional, irá obrigar Putin a anunciar o que dará em troca para o cessar-fogo e, numa nova segunda etapa, tornar-se definitivo.
Num pano rápido, Zelensky está com novas cartas, ao contrário do imaginado por Trump. Conta com o forte apoio político europeu, embora, como já admitiu sabe ser insuficiente o apoio militar e econômico europeu para vencer a guerra. Amanhã, novo capítulo, com a acima mencionada reunião extraordinária europeia.