O monitoramento realizado pela Palver em mais de 100 mil grupos públicos de WhatsApp e Telegram mostra que a vitória do filme “Ainda Estou Aqui” no Oscar de melhor filme internacional intensificou o embate político nas redes sociais.
A obra, dirigida por Walter Salles e estrelada por Fernanda Torres, já vinha sendo alvo de críticas desde antes de sua estreia, mas a consagração na cerimônia do dia 2 de março gerou uma onda ainda maior de ataques e desinformação entre grupos bolsonaristas.
A produção foi recebida com entusiasmo por setores progressistas e pela crítica internacional, sendo considerada um marco para o cinema nacional.
No entanto, desde o ano passado, grupos da direita já promoviam campanhas de boicote ao filme, alegando que ele apresentaria uma versão distorcida da história, retratando o período militar de forma enviesada e atacando valores conservadores. As críticas se intensificaram após a vitória no Oscar, tornando-se um dos principais tópicos de discussão nos grupos monitorados.
Entre os ataques, destaca-se a associação de Walter Salles ao irmão João Moreira Salles, apontado como financiador do traficante Marcinho VP –uma tentativa de criar um vínculo entre o diretor e o crime organizado, mesmo sem qualquer relação entre os fatos. Fernanda Torres, por sua vez, foi alvo de críticas infundadas por supostamente ter se beneficiado da Lei Rouanet, reforçando a tese de que artistas premiados utilizam dinheiro público para promover ideologias políticas.
A tese de que o filme recebeu incentivos da Lei Rouanet foi amplamente compartilhada, ainda que não exista captação alguma de recursos por parte dela.
O debate sobre “Ainda Estou Aqui” também serviu para reavivar discursos contra a classe artística, associada à esquerda e acusada de ser sustentada por incentivos estatais. Muitas mensagens propagadas nos grupos bolsonaristas descrevem o filme como um “lixo esquerdista” e desqualificam a homenagem concedida pelo Senado a Fernanda Torres e Fernanda Montenegro com o Diploma Bertha Lutz, por suposta militância política.
Há também alegações falsas de que o governo Lula destinou R$ 15 bilhões para a Lei Rouanet em 2025, quando o valor real previsto é de R$ 2,9 bilhões, oriundos de renúncia fiscal, e não de repasses diretos do governo.
Outro ponto levantado em grupos de direita é a representação de Rubens Paiva, o ex-deputado que foi assassinado pela ditadura. Segundo mensagens viralizadas nas redes, ele teria sido ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e atuado no financiamento e lavagem de dinheiro para o partido. No entanto, a informação é falsa, já que Paiva era filiado ao PTB e sua perseguição política se deu sem qualquer comprovação de envolvimento com atividades ilegais.
A recepção de “Ainda Estou Aqui” nos grupos de WhatsApp monitorados pela Palver mostra que, para além do cinema, o filme se tornou um novo capítulo na polarização política do país.
Para setores da esquerda, sua premiação representa um reconhecimento da memória histórica e da luta contra regimes autoritários.
Já para a direita, ele simboliza mais um episódio do que chamam de “dominação cultural marxista” e um ataque aos valores conservadores. O embate narrativo evidencia como a cultura tem sido um dos principais campos de disputa política no Brasil contemporâneo, onde o cinema se torna palco de conflitos ideológicos intensificados pela circulação de desinformação e teorias conspiratórias nas redes sociais.
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