Pegar uma neta no colo pela primeira vez. Fazer café na cozinha de casa. Abraçar sua filha no topo de uma montanha. Escalar o Everest.
Clarice Lispector disse que o óbvio é a verdade mais difícil de se enxergar. Até onde se precisa ir para ver?
Gustavo Ziller era uma pessoa muito bem sucedida profissionalmente e buscava ainda mais sucesso, quando seu corpo o obrigou a parar em uma crise de burnout. O resultado da exaustão física e emocional que o impediu de continuar a rotina que tinha, com muito trabalho e pouco tempo com a esposa e os três filhos, fez com que ele repensasse a vida que estava levando.
O processo de busca por novos caminhos levou Gustavo para muito longe. De alguém que nem mesmo praticava exercício físico, ele resolveu se tornar o primeiro montanhista amador brasileiro a escalar as montanhas mais altas do mundo – em apenas 30 meses. No dia 23 de maio de 2021, Ziller chegava ao topo do Everest. Antes dele, apenas 25 brasileiros haviam escalado a montanha de maior altitude da Terra.
Gustavo Ziller acaba de estrear o videocast (podcast com vídeo) “Bucket List”, em parceria com o Grupo Zelo. A expressão em inglês representa a lista de coisas que se deseja fazer antes de morrer, e muita gente a conhece do filme “The Bucket List” (“Antes de Partir”), com Morgan Freeman e Jack Nicholson. No filme, dois pacientes com doenças terminais fogem do hospital para realizar sua bucket list. Mas será que é preciso estar perto da morte para pensar em tudo aquilo que a gente quer viver, sentir, dizer, enquanto ainda está vivo?
Se todos vamos morrer e nenhum de nós sabe quando isso vai acontecer, pensar na vida que vale a pena ser vivida deveria ser objeto de reflexão frequente para todos nós. O que Gustavo aprendeu foi que não é preciso chegar ao topo do mundo para sentir plenitude. E essa é a ideia do videocast, que, em sua primeira temporada, recebe os convidados Ana Cláudia Quintana Arantes, Lenine, Monja Coen e Tamara Klink.
A vontade de fazer o “Bucket List” vem do longo processo de Ziller de se reencontrar consigo e buscar significado. Mas foi o nascimento da neta, Amora, em abril de 2023, que fez com que ele quisesse muito realizar o projeto.
Amora nasceu com lisencefalia, uma malformação cerebral rara. “É claro que a gente idealiza o que vai acontecer. Eu tinha 48 anos quando minha filha Joana engravidou e pensei ‘vou levar minha neta pro Everest, vou andar de bicicleta com ela’. Aí veio o diagnóstico e todo o terror do que o Google diz sobre a doença. Eu me fechei, sofri esse luto da quebra de expectativa. Mas fui vendo na mãe da Amora uma luz. Não é força ou coragem a palavra, é luz. Ela foi se iluminando e mostrando que, não é porque algo não será como você imaginava, que não vai ser muito especial também”.
A família toda, avós maternos e paternos, tias, sua irmã mais velha, todos passaram a se dedicar muito à Amora, que está crescendo, tem desenvolvimento motor, interage, gargalha. “Essa nova realidade é linda também”.
Algo que não acontece da forma como a gente planeja ou deseja pode mudar o curso de uma vida inteira, de muitas vidas inteiras, como aconteceu com a família da Amora. Ziller já disse que, em meio século de vida, nunca foi tão profundamente tocado na alma quanto pelo olhar da neta.
Não que não seja extremamente desafiador. A maternidade atípica está envolvida em muitos lutos e sofrimentos e isso não deve ser minimizado.
Mas a missão de vida de Gustavo Ziller é mostrar como acontecimentos não precisam ser perfeitos ou grandiosos, como chegar ao topo do Monte Everest, para que a gente se sinta realizado, para que a gente viva intensamente. Para o host do “Bucket List”, “a gente tá desaprendendo a sentir. E parar de sentir é a última etapa antes da barbárie”. Não é preciso estar sempre numa grande aventura para se sentir vivo.
Para minha mãe, felicidade é simplesmente conseguir andar sozinha na rua. Para mim, hoje, é não ter um cargo de chefe no trabalho que me tiraria tranquilidade para ajudar a cuidar dela e criar bem a minha filha. Para muitas pessoas, a prioridade de suas vidas é ir ao banheiro fazer xixi sem ajuda, ter contato físico e sentir-se limpo. É nesses momentos, tão banais para a maioria de nós, que elas encontram a sua plenitude.
Gustavo e eu temos algo forte em comum. Acreditamos que a vida acontece quando vivemos nosso cotidiano intensamente. Muitas vezes já me perguntei se é apenas diante de acontecimentos ou perdas muito grandiosas que conseguimos perceber esse óbvio, tão difícil de enxergar, mesmo que esteja sempre embaixo do nosso nariz.
A vida é o que acontece agora.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.