Informações na mesma linha
Telefone: (21) 97026-3221
Endereço: Rua Viçosa do Ceara, 157, Paciência, Rio de Janeiro - RJ

Caiu-me nas mãos –caiu-me nada, eu fui buscar o livro na Biblioteca de São Paulo, na estação Carandiru do metrô, em São Paulo– o romance biográfico “Correr”, sobre o campeão olímpico tcheco Emil Zatopek, do francês Jean Echenoz.

Como biógrafo, Echenoz é um fiasco, servindo-se meramente da Wikipedia para construir as pouco mais de cem páginas de seu livro. Como romancista, também fica a dever, limitando de todas as maneiras seu convencionalíssimo narrador em terceira pessoa.

Mas, dado que esta coluna não é de crítica literária, sigamos. Zatopek, a Locomotiva Humana, como ficou conhecido, foi considerado um dos grandes atletas do pós-guerra e o maior fundista da história por ter vencido as provas de 5 mil, 10 mil e ainda a maratona numa mesma Olimpíada, a de Helsinque, de 1952.

Ele também bateu 18 vezes recordes mundiais e foi o primeiro a correr 10 km em menos de 29 minutos e 20 km em menos de uma hora. Corria fazendo expressões faciais de dor, esgares esquisitíssimos, notável característica de alguém que o obituarista do New York Times chamou de “parte ator, parte artista”, já que algo daquela agonia era “meramente por efeito”.

Zatopek foi ainda a principal atração da história de 99 anos da São Silvestre, a famosa prova de rua de São Paulo, vencendo-a na noite de 31 de dezembro de 1953. Ele deve ser bastante lembrado neste 2025, que marca o centenário da competição.

Abrigado e controlado pelo regime socialista da Tchecoslováquia nos anos duros da Cortina de Ferro, mas depois proscrito por ter criticado a deposição do líder Alexander Dubcek pelas forças de Moscou em 1968, o corredor comeu por alguns anos o pão que o diabo amassou, atuando como mineiro em exploração de urânio e depois como lixeiro.

Posto isto, é preciso dizer que a Locomotiva pode ter deixado alguns legados para nós, corredores pangarés amadores.

O primeiro: Zatopek começou tarde, entrando na corrida adulto, por injunções profissionais e a contragosto, quando a fábrica de calçados em que trabalhava exigia a participação de alguns funcionários numa prova. Se você chegou marmanjão como ele, mas tem ambições em subir em pódios, saiba: sí, se puede.

Segundo: a Locomotiva foi seu próprio principal treinador. A ele são creditados a difusão e o incremento do famoso treino intervalado, novíssimo em seu tempo, e que Zatopek levou, pode-se dizer, ao paroxismo, chegando a praticar numa única sessão até 70 tiros de 200 a 300 metros.

Por fim, ele sempre tirou partido de adversidades: situações climáticas difíceis e uso de botas pesadas na neve, por exemplo. Mais ou menos como a pista escorregadia e a visibilidade nula durante o treinamento incessante de Ayrton Senna com seu kart na chuva, pedagogia paterna bastante explorada na minissérie “Senna”, da Netflix.

Pense nisso quando você achar que uma chuvinha pode vir a calhar como bom álibi para cabular o cascalho da semana.

Zatopek ainda pode servir como exemplo de como a manipulação da informação é daninha. Mesmo não tendo economizado elogios ao Brasil durante sua passagem por São Paulo, ele teve o visto negado pelas autoridades brasileiras para um possível retorno. O jornal oficial de seu país sempre distorcia a visão normalmente muito positiva que o atleta expressava, até como cortesia, sobre os países capitalistas por onde passava. Já havia acontecido na França.

Guardadas as proporções, talvez seja uma boa ideia ler uma segunda vez o textão antes de postá-lo em suas redes.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.