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Será numa sexta-feira. No dia 29 de agosto deste ano, celebram-se os 200 anos do estabelecimento de relações bilaterais entre o Brasil e Portugal. Nestes dois séculos, 16 enviados especiais e ministros plenipotenciários, 34 embaixadores e 48 encarregados de negócios já representaram ao mais alto nível os interesses do Brasil em Portugal.

É uma boa oportunidade para refletirmos. A diplomacia é uma instituição secular que tem dificuldade em legitimar a sua existência, nos seus moldes tradicionais de representação formal e de estética simbólica, em um mundo instantâneo, de contiguidade e online.

Os US$ 3,7 bilhões exportados do Brasil para Portugal no ano passado não dependeram da intermediação direta da embaixada em Lisboa. Os mais de 70 mil alunos brasileiros matriculados nos ensinos fundamental e médio não precisam da embaixada para os seus afazeres escolares. Os 600 mil brasileiros que residem em Portugal encontram mais orientações logísticas nos jornais Público Brasil e DN Brasil do que no site da embaixada. Se membros do governo português quiserem falar com membros do governo brasileiro, enviam diretamente WhatsApps ou emails. Muitas vezes, os embaixadores são apenas acionados por conformismo protocolar ou amabilidade pessoal, o que não tem um valor nulo, mas não tem um valor suficiente.

Há décadas que o imenso caudal que liga os dois países galgou as estreitas margens da diplomacia bilateral. Restou-lhe a sua vocação cartorial, exercida pelo consulado, relativa à emissão ou autenticação de documentos. Ou o ofício simbólico, traduzido nas modorrentas deposições de coroas de flores no Castelo de Belmonte, onde nasceu Pedro Álvares Cabral ou na Igreja da Graça em Santarém, onde está sepultado. Ou o papel de facilitadora operacional de visitas oficiais. No último ano, a embaixada do Brasil recebeu mais de 130 autoridades brasileiras em missão internacional.

A escolha do próximo embaixador em Lisboa é uma oportunidade para o Itamaraty, o mais tradicional dos ministérios civis, revisitar alguns dos seus axiomas. O atual ocupante, um ex-ministro do Tribunal de Contas escolhido por Bolsonaro, deverá deixar o cargo em breve. Já exerce funções há três anos e tem 76 anos. Lisboa deveria acompanhar a rotatividade em curso nas embaixadas em Praga, Berlim, Viena, Bruxelas, Madrid e Paris.

Teremos a primeira diplomata a representar o Brasil em Lisboa? Apenas uma mulher, a encarregada de negócios Laura Malcher de Macedo, comandou temporariamente a embaixada por 42 dias em 1983. Ou será Lisboa, mais uma vez, um prêmio de consolação política para ex-ministros, ex-governadores, ex-presidentes da república ou ex-deputados, como José Aparecido de Oliveira, Itamar Franco, Jorge Bornhausen, José Gregori ou Antônio Paes de Andrade? Em alternativa, será entregue a um representante do Itamaraty, como aconteceu por 8 vezes na Nova República? Figuras públicas diplomáticas como Luiz Alberto Figueiredo, Luiz Felipe Lampreia ou Alberto da Costa e Silva já ocuparam o cargo.

Brasília precisa de deixar de olhar para a embaixada em Lisboa, um posto com classificação A em termos de qualidade de vida, como a menos estratégica entre as embaixadas estratégicas. A extrema estabilidade da relação diplomática bilateral daria margem para que a embaixada pudesse ser liderada por perfis menos tradicionais, adotasse instrumentos tecnológicos menos convencionais, apoiasse eventos menos normatizados, prosseguisse oportunidades de cooperação bilateral menos padronizados e operasse com ritos menos clássicos.

Sim, pela quantidade de adjetivos sinônimos, é de um certo experimentalismo a que me refiro. No dia 29 de agosto de 2025, nenhum português se sentirá ofendido se se cantar menos vezes o hino. E só as floriculturas reclamarão se se depositarem menos flores.


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