A suspensão temporária da Fundação IBGE+ pode diminuir a temperatura da crise no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mas não deve encerrar sozinha a turbulência entre os servidores e o presidente do órgão, o economista Marcio Pochmann.
Na visão de quem trabalha ou já atuou no instituto, o descontentamento do corpo técnico com a presidência ainda é alto devido à proporção que o embate tomou nas últimas semanas.
Ao longo da crise, a gestão Pochmann chegou a dizer, por exemplo, que os servidores divulgavam mentiras sobre o IBGE. Publicado em 15 de janeiro, o comunicado gerou indignação dentro do órgão, e as relações ficaram ainda mais estremecidas.
Além disso, os funcionários seguem cobrando diálogo em outras decisões que afetam o instituto, embora a criação da IBGE+ seja vista como pivô da crise.
A suspensão temporária da fundação foi confirmada na tarde desta quarta-feira (29), em uma nota do Ministério do Planejamento e Orçamento em conjunto com o IBGE.
“A nota é como a formação de uma brigada encarregada de começar a debelar o fogo na mata. Isso não significa que o fogo já foi extinto”, afirma o economista Paulo Rabello de Castro, que presidiu o IBGE de 2016 a 2017.
“A nota é um bom começo, mas agora é preciso restabelecer os vínculos”, acrescenta.
Para o ex-presidente, o conflito gerou um “ressentimento muito grande” entre os servidores. Ele, contudo, vê uma possibilidade de a gestão Pochmann contornar a crise, ainda que a tarefa seja considerada difícil.
“O presidente tem de juntar os cacos no chão e, muito delicadamente, tentar reconstruir o vaso”, afirma.
Os protestos contra Pochmann começaram em setembro, após a criação da IBGE+. Um dos pontos criticados foi a possibilidade de a nova estrutura produzir trabalhos a partir da captação de recursos privados, fora do orçamento do instituto. O projeto foi chamado pelos críticos de “IBGE paralelo”.
Os servidores também reclamaram de falta de diálogo na criação da fundação e na análise de outras medidas, como o fim do modelo de trabalho totalmente remoto e a mudança de trabalhadores lotados na avenida Chile, no centro do Rio, para um imóvel do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) no Horto, na zona sul.
O novo endereço é considerado de difícil acesso via transporte público. A gestão Pochmann, por sua vez, considera a mudança necessária para economizar no aluguel e aliviar o orçamento da instituição.
Folha Mercado
Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes.
“Fico satisfeito com a suspensão de uma fundação que caiu do céu para que se tenha uma discussão sobre o financiamento do IBGE […], mas isso não resolve a crise”, diz Roberto Olinto, que presidiu o instituto de meados de 2017 até o início de 2019.
Ele afirma que o anúncio desta quarta é apenas um “paliativo”. Na visão de Olinto, a turbulência começou com a criação da IBGE+ e se intensificou devido a uma postura “belicosa” da gestão do instituto.
A Folha procurou a presidência do IBGE após a suspensão da fundação, mas não recebeu retorno via assessoria de imprensa. Desde o início da crise, a gestão Pochmann tem refutado as acusações de autoritarismo e falta de diálogo.
Nesta quarta, o presidente afirmou em Brasília que o IBGE está fazendo uma “transição”, após período de “enfraquecimento”.
“Esse tema das fundações gera controvérsias não apenas no IBGE, mas em várias outras instituições públicas que tomaram essa decisão. Há uma perspectiva de entender que uma fundação dessa natureza, pública de direito privado, poderia levar a uma espécie de privatização”, disse ele.
“São modelos necessários para ampliar o orçamento e permitir a inovação tecnológica”, completou. As falas ocorreram antes do anúncio da suspensão da IBGE+.
Em nota, a entidade sindical dos trabalhadores do IBGE, a Assibge, chamou a medida confirmada nesta quarta de “vitória”. A associação se posicionou de maneira contrária à fundação desde o início da crise.
Para a Assibge, ainda é preciso que a direção do IBGE esclareça o que efetivamente quer dizer a suspensão temporária. A entidade disse que a presidência do instituto aceitou receber o sindicato em reunião em 4 de fevereiro.
“O anúncio da suspensão temporária da fundação é um passo importante, porém insuficiente, por si só, para pôr fim à crise enfrentada pelo instituto, marcada por decisões autoritárias da direção também em outros campos, incluindo graves medidas antissindicais ao longo dos últimos meses”, declarou a Assibge.
A demógrafa e especialista em produção de dados Suzana Cavenaghi, ex-professora da Ence (Escola Nacional de Ciências Estatísticas), ligada ao IBGE, avalia que o Ministério do Planejamento deveria mesmo ter se manifestado, porque a pasta permaneceu calada em fases anteriores da crise.
A especialista, contudo, não vê uma resolução para o conflito somente com a suspensão da IBGE+.
“Infelizmente, acho que se chegou a uma situação de quebra de confiança. O presidente precisa ter a confiança dos técnicos da casa, e a confiança foi quebrada, porque as reações [da presidência] foram pessoais. Foram ataques de volta em vez da busca por consenso, por diálogo”, avalia.
Nos bastidores, a decisão envolvendo a fundação foi lida como uma tentativa de atenuar o conflito e, ao mesmo tempo, preservar Pochmann no comando do instituto. O economista foi indicado ao cargo pelo presidente Lula (PT).