Entre 2022 (6.455 mortes) e 2023 (6.393 mortes), a letalidade policial recuou um pouquinho. Mas não há motivo para celebração.
Em média anual, as polícias matavam 17 pessoas por dia no Brasil. É muito. As vítimas são majoritariamente negras (82%). Episódios de violência são captados por câmeras do poder público ou do poder privado ou pelo celular de pessoa comum, interessada apenas em registrar o que as polícias gostariam de esconder, o que pode gerar alguma inibição.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 informa que, em dez anos, a letalidade policial cresceu 188,9%. Em 2013, foram 2.212 mortes.
Pouco se sabe das subnotificações, que evidentemente existem, mas o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública do Ministério da Justiça detecta também queda na letalidade em 2024 (5,69%). A Bahia, governada pelo PT, é o estado que mais mata (1.500 vítimas). O Amapá (17,06) tem a mais alta taxa de homicídios praticados por policiais em grupo de 100 mil habitantes.
Não é um despropósito classificar a letalidade policial como programa de governo. Governantes querem reduzir índices de criminalidade em seus territórios e apostam em polícias implacáveis, matadoras e protegidas.
O governo Tarcísio de Freitas conspira contra as câmeras corporais e a transparência, e fez crescer os índices de letalidade policial em São Paulo. O próprio secretário Derrite, oriundo da PM, não oculta o passado: “eu matei muito ladrão”.
O governo Mario Covas (1995-2001) instituiu programas eficazes para reduzir letalidade. Entre diversas providências administrativas, oferecia tratamento psicológico e afastava temporariamente policiais envolvidos em episódio de alto risco, como o tiroteio com morte: “matar alguém e ir para casa não é normal”, explica o ex-secretário Petrelluzzi.
Quando o prefeito de São Paulo canta e aplaude “gás de pimenta na cara de vagabundo” ele não está participando de ensaio de bloco de carnaval fascista: é o ápice da formatura de 500 agentes da Guarda Civil Metropolitana: recebem o ensinamento de que devem destruir suspeitos, extravasam a alegria em redes sociais e vão para as ruas, armados, carregando a mensagem de truculência e a benção da autoridade pública eleita. É assim com a PM.
“Vagabundos” são os pobres das cidades, principalmente negros, suspeitos de alguma coisa. A polícia brasileira mata mais de 5 vezes o número de pessoas que a polícia norte-americana mata.
O decreto de Lula, assinado em dezembro, semanas depois da difusão da imagem de um jovem executado pelas costas, por furtar sabão líquido de um mercadinho, e a portaria do ministro da Justiça regulamentando sua implantação, tentam disciplinar o “uso da força” e a adoção de “instrumentos de menor potencial ofensivo”, emitindo sinais políticos civilizatórios que o bolsonarismo repudia.
As normas escritas não são suficientes se os protocolos de enfrentamento e de eliminação permanecerem intactos. A portaria interministerial de 2010, também editada pelo governo federal para reduzir “paulatinamente” a letalidade policial e reafirmar “os princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência”, não impediu o crescimento das mortes e o acirramento da guerra.
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