A COP30 na Amazônia já começou para os povos indígenas que estão mobilizados em Belém. Acampados há mais de duas semanas ocupando a Secretaria de Educação, assim como bloqueando rodovias que cortam seus territórios, os indígenas expõem a falta de cuidado do governo desse estado que, em breve, receberá milhares de visitantes ilustres no maior evento dedicado à discussão global do clima.
O tema, aliás, nos toca a todos, sujeitos a enchentes e inundações, tal como ocorre na capital paulista nesses dias, ou a incêndios nunca antes vistos, como o que apavorou a Califórnia recentemente. Os governos estão desorientados quanto a medidas que possam equipar nossas cidades diante dos imprevistos que ocorrem de norte a sul, sem aviso que permita acionar sistemas de proteção e defesa.
Cidades inteiras são paralisadas diante dos eventos climáticos, e isso deveria interessar a cada um de nós, além dos governos. Belém é uma cidade transtornada por canteiros de obras, que corre para terminar as instalações que deverão receber a COP30 —construções de ferro e concreto na capital que bem poderia ser, ela própria, um modelo de florestania, termo que define a condição cidadã para os povos da floresta.
Florescidade e florestania são conceitos que surgem a partir da experiência de décadas de organização das comunidades extrativistas, indígenas e ribeirinhas para resistir à ocupação das últimas florestas onde essas populações têm seus modos de vida estabelecidos.
Organizadas em regiões do Acre, Amazonas, Pará e Amapá, lograram garantir milhares de hectares de áreas cobertas por florestas, algumas demarcadas como terras indígenas ou Rexex (reserva extrativista), criando assim a condição de garantia onde uma economia local sustenta a vida de milhares de famílias dentro da floresta.
Animadas pelo sonho de Chico Mendes, as reservas extrativistas resistem às tentativas de esvaziamento de ações como pesquisa e apoio à permanência de seus jovens dentro da floresta. Ofertar ensino de qualidade para as novas gerações é uma das demandas constantes dessas comunidades. Promover políticas públicas voltadas à saúde e educação, nessas localidades, é tarefa dos governos municipais, mas também da esfera estadual e do governo federal.
Florestania é a condição cidadã da floresta, estabelecida como conquista de novos direitos por comunidades historicamente excluídas da vida pública brasileira. O país e a língua se descuidam do trato respeitoso com sua população, também “cidadãos” da floresta.
Um exemplo disso é a desnecessária crise na relação com as redes de escolas em aldeias e vilas ribeirinhas e quilombolas, promovida pelo governo do Pará. Atendidas em sistema presencial, com professores em sala de aula, esse sistema modular de ensino indígena está sendo reduzido à oferta de ensino a distância.
O governador e seu secretário de educação estão sendo confrontados pelo movimento indígena, que não aceita a substituição de aulas presenciais por aulas online nas aldeias e ganhou o apoio de professores, de movimentos sociais e da sociedade civil.
É uma fagulha que pode incendiar o sonho do governo do Pará —e também de Brasília— quanto à realização dessa que deve ser a mais importante reunião de chefes de Estado na Amazônia.
A participação dos povos da floresta na COP30 é esperada por todas as organizações internacionais voltadas à questão das mudanças climáticas. Uma das razões da escolha dessa capital para receber o evento é sua proximidade com as áreas naturais, seus rios e suas florestas habitados por povos originários, com seus modos de vida e conhecimentos tradicionais do bioma amazônico.
Lideranças destacadas dessas comunidades da floresta, presentes em todas as Conferências do Clima e que pautaram o debate da COP30, podem ser agora a pedra no caminho de Helder Barbalho (MDB), grande beneficiário da escolha dessa capital amazônica para receber o mais importante debate sobre mudanças climáticas do planeta.
Os povos indígenas querem preservar a experiência do ensino escolar nas centenas de endereços educacionais das aldeias, para mais de 50 etnias, com seus próprios fundamentos pedagógicos de uma educação diferenciada.
Diante da ameaça de substituição das aulas presenciais por videoaulas, na nova modalidade proposta pelo atual secretário, a ativista Alessandra Korap, do povo munduruku, explica: “O estado do Pará tem vários povos, mais de 50 povos indígenas. Imagine uma TV falando uma língua e os alunos não entendendo o que o professor está falando na TV. Aulas online não servem para a gente porque muitos alunos não falam português”. Para Korap, “isso é violação de direitos, violação de nossa cultura. Isso é muito grave”.
A mobilização, iniciada pelos indígenas, já reúne muitos representantes da sociedade paraense, com os professores e os servidores aderindo à luta por respeito e autonomia na educação escolar. Cada vez mais, a sociedade se dá conta de que a mudança no sistema de ensino não irá ficar restrita aos povos indígenas, mas entende que todos os povos da floresta serão afetados.
O filme “Amazônia, a Nova Minamata?”, de Jorge Bodanzky, tem a inconfundível voz de Alessandra Korap denunciando a tragédia que as invasões garimpeiras levaram à região do Tapajós, agravando a situação de ameaças em que vivem os ribeirinhos e as aldeias indígenas, agora com seus rios e lagos contaminados por mercúrio.
São as vozes da floresta que denunciam a destruição do bioma e, hoje, também a desestruturação do sistema de ensino, fundamental para a formação de lideranças de uma nova geração consciente da necessidade de se mudar a relação que temos com a floresta para que essa seja de reciprocidade.
Os enfrentamentos sobre o nosso futuro comum, que deverão ocorrer durante a COP30, já começaram em Belém.
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