China e Estados Unidos correm o risco de renovar uma guerra comercial total, a menos que as duas maiores economias do mundo consigam desarmar a disputa antes que as tarifas chinesas sobre US$ 14 bilhões (R$ 81,2 bilhões) de exportações americanas entrem em vigor nesta segunda-feira (10), alertaram analistas.
O presidente Donald Trump revelou na semana passada uma tarifa extra de 10% sobre produtos chineses para forçar Pequim a fazer mais para combater as exportações relacionadas ao fentanil para os EUA e México e ameaçou mais se a China retaliasse.
Quando as tarifas dos EUA entraram em vigor três dias depois, Pequim imediatamente revidou, anunciando tarifas adicionais de 10 a 15% sobre exportações de energia e equipamentos agrícolas dos EUA. As tarifas da China estão programadas para entrar em vigor na segunda-feira.
“Isso pode ser apenas o começo desta fase da guerra comercial”, disse Zhang Yanshen, especialista do Centro Chinês para Intercâmbios Econômicos Internacionais. “Isso pode se tornar uma situação muito, muito ruim.”
Alguns analistas esperavam que os EUA e a China realizassem conversas para evitar grandes hostilidades comerciais. Trump inicialmente disse que esperava conversar com o presidente Xi Jinping, mas depois que a China retaliou, ele disse que não tinha “pressa” e que as tarifas eram um “tiro de abertura” com medidas “muito substanciais” por vir.
Questionado se a equipe de Trump estava se envolvendo com a China da mesma forma que fez com o Canadá e o México, que foram sujeitos a tarifas mais altas antes de Trump conceder-lhes uma trégua de um mês, um funcionário da Casa Branca disse que os EUA estavam “em contato constante com nossos homólogos, tanto em Pequim quanto aqui em Washington”.
Um porta-voz da embaixada chinesa em Washington disse que não houve “nenhum novo desenvolvimento” desde que a China anunciou tarifas retaliatórias.
Especialistas em Pequim disseram que as táticas de choque de Trump, destinadas a forçar Xi a chegar a um acordo rapidamente, podem ter saído pela culatra. O presidente dos EUA deu apenas dois dias entre o anúncio e a implementação das tarifas —um cronograma que provavelmente foi inaceitável para Xi.
“A China não quer um acordo assim”, disse Ma Wei, pesquisador do Instituto de Estudos Americanos da CASS, afiliado ao governo chinês. “Você tem que ter conversas iguais e um acordo igual, não um em que você primeiro coloca uma tarifa alta em mim e depois diz que temos que fazer um acordo.”
Ma disse que as táticas dos EUA tinham ecos de um idioma chinês “cheng xia zhi meng” —lidar com seu inimigo sob coação quando ele está às portas do seu castelo.
Mas analistas observaram que o escopo limitado da retaliação da China —que incluiu investigações antitruste sobre Google e Nvidia, mas atingiu uma gama mais restrita de produtos do que as tarifas dos EUA— sugeria espaço para negociações.
Folha Mercado
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Funcionários do governo Trump enfatizaram que o presidente dos EUA queria que a China interrompesse o fluxo de fentanil, um opioide mortal que se tornou o principal assassino de americanos entre 18 e 45 anos.
Mas especialistas em Pequim disseram que as negociações podem ter estagnado porque Trump estava exigindo cooperação em outras frentes, como pressionar a Rússia sobre sua invasão da Ucrânia ou ceder a propriedade da plataforma de vídeos curtos TikTok a um comprador americano.
“O fentanil é uma questão que pode ser facilmente resolvida —a China já está cooperando com o lado americano nisso”, disse John Gong, professor da Universidade de Negócios e Economia Internacional. “Então, Trump provavelmente quer algo mais que eles não podem falar publicamente.”
Trump disse na sexta-feira (7) que revelaria “tarifas recíprocas” sobre países nesta semana, mas não forneceu informações sobre quais nações seriam alvo. A Casa Branca também suspendeu temporariamente na sexta-feira as chamadas isenções de minimis sobre tarifas para remessas de baixo custo da China, que haviam beneficiado empresas como Shein e Temu.
Wendy Cutler, especialista em comércio e vice-presidente do Instituto de Política da Sociedade da Ásia, disse que, ao contrário do Canadá e do México, a China jogaria um jogo mais longo.
“Pequim provavelmente adotará uma abordagem de esperar para ver antes de considerar o engajamento, incluindo ter mais certeza sobre se será ainda mais impactada por tarifas recíprocas, setoriais ou universais adicionais”, disse Cutler.
Especialistas chineses disseram que seria difícil para Pequim chegar a um “grande acordo” em um prazo curto, especialmente em assuntos espinhosos como a guerra na Ucrânia, sobre a qual os EUA acusaram a China de ajudar a Rússia.
Vários especialistas em um recente fórum da Universidade da Califórnia em San Diego e do Conselho de Relações Exteriores sobre a China disseram que Pequim estava mais preocupada com os controles de exportação de tecnologia dos EUA do que com tarifas.
A China também está melhor preparada para tolerar tarifas desta vez, disse Gong. As exportações para os EUA representaram 15% do comércio chinês total no ano passado, uma participação menor do que no passado.
“A posição do governo chinês sobre essa questão das tarifas pode ser: ‘Que assim seja’”, disse Gong. “A maior parte é paga pelos consumidores americanos de qualquer forma e muitas empresas chinesas já moveram parte de suas operações para o exterior… As tarifas não são uma arma tão letal quanto percebida por Washington.”
Mas alguns economistas acreditam que toda a força das tarifas ameaçadas por Trump — como a taxa de 60% sugerida durante a campanha presidencial —teria um impacto pesado na economia da China.
Hui Shan, economista-chefe da China no Goldman Sachs, estimou que cada aumento de 20 pontos percentuais nas tarifas dos EUA reduziria 0,7 pontos percentuais do crescimento do PIB da China.
Pequim poderia compensar parte desse impacto com desvalorização da moeda, pacotes de estímulo ao consumidor e outras medidas, mas ainda assim provavelmente absorveria cerca de 0,2 pontos percentuais de impacto no crescimento do PIB, disse ela.