A ousadia de ser feliz
O fio condutor da trama, a angústia de um filho abandonado pelo pai, revela como as feridas emocionais impactam a liberdade e a felicidade. Enquanto o protagonista não supera essa dor, permanece preso a uma amarra que o impede de seguir em frente. No entanto, o filme sugere que a superação é possível através do extravasar a liberdade, sintetizado na cena final do protagonista ou no conselho de uma mãe, que recomenda que o filho precisa “dançar para a vida”.
Esse “dançar para a vida” é a escolha do personagem André (Del), vivido por Big Jaum, quando convoca os colegas a “zoar a porra toda”, levando a avó para os lugares marcantes para a vida da anciã, já determinada pela insensibilidade dos médicos como sem mais chances de vida.
Neste aspecto, o filme poderia ser mais lúdico e explorar com mais cores a ousadia em ser feliz do jovem Del, já que o filme, apesar de tão realista, desperta sonhos e ilusões. Não por acaso, é tão marcante a presença da música Sonho Meu, de Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho, na bem acertada trilha musical do filme.
Sutil e amoroso, “Kasa Branca” reafirma a beleza e a complexidade da vida na favela, sem caricaturas ou estereótipos. Vidigal constrói um cinema comprometido com a realidade, mas também com a esperança, oferecendo ao público uma visão mais ampla da periferia. Um filme necessário, que emociona e inspira.
Em meio ao reconhecimento do público ao cinema brasileiro, vale muito a pena prestigiar Kasa Branca, mais um exemplar do projeto de cinema negro, que toca em sentimentos e afetos comuns a todos, mas especialmente da população negra que, assim como os realizadores, é moradora das periferias, excluídas de acessos a direitos e oportunidades, mas ainda assim mantém uma fé na vida, apostando na solidariedade, na força comunitária e no cuidado mútuo.