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Eu podia ter me quebrado toda. Ou até ter morrido. Era uma manhã de sol, eu pedalava para casa. Quando fui cruzar a rua, percebi que um dos carros que vinha na minha direção não pararia, como era esperado que fizesse, dada a sinalização, preferencial para mim.

O motorista seguiu avançando, talvez apostando em algum cálculo de velocidade que fazia mentalmente. Só que, pelo jeito, o cara era ruim de cálculo, ou estava pouco se lixando, porque sua roda passou por um fio pela minha.

Me desestabilizei e caí da bike. Ele gritou: desculpa, e acelerou –sem parar para ver se eu estava bem. Me levantei, meio atônita, as mãos e os joelhos ralados, me perguntando por que o motorista avançou daquele jeito, porque se importou tão pouco comigo.

Ao me endireitar novamente na via, com memórias de anos de pedal debaixo do meu capacete, me toquei: ele não se importou comigo porque em São Paulo ciclistas não valem grande coisa. Muitas vezes não valem nada.

Cliclistas não valeram nada para José Maria da Costa Júnior que, depois de atropelar Marina Harkot, seguiu acelerando enquanto a garota agonizava ao lado de sua bicicleta. Quem anda por São Paulo, vê o rosto da vítima de 28 anos nos lambe-lambes como um símbolo da luta por mais segurança para quem pedala, e também vê que nem a sua morte, nem a morte de 332 ciclistas na cidade em menos de 10 anos, serviu para sensibilizar o poder público.

Quando o assunto é mobilidade urbana, São Paulo segue pedalando para trás: a Prefeitura abandonou políticas de acalmamento de tráfego e entregou menos ciclovias e ciclofaixas do que estava previsto no Programa de Metas.

Não é só essepê. Também pedalo bastante por Curitiba que, apesar de ter fama de cidade verde e modelo, deixa muito a desejar na quantidade de ciclovias, ficando em sétimo lugar entre as capitais brasileiras.

Mas vamos voltar para São Paulo, que agoniza diariamente no trânsito. Aqui, onde o ciclista parece não valer nada, é justamente onde deveria valer mais, porque cada pessoa que troca quatro rodas por duas está fazendo um bem para todos; desobstruindo o trânsito, diminuindo a poluição e as emissões de carbono e ainda colaborando para melhorar números desanimadores.

A pesquisa Origem e Destino do Metrô, revelou que, em 2023, 51,2% das viagens diárias na cidade foram feitas individualmente. Em 2017, a situação era inversa e melhor: 54,1% ocorreram em transporte coletivo como ônibus, metrô e trem.

Quanto mais transporte individual, mais trânsito e mais emissão de carbono. Não à toa, cidades como Paris começam a banir os carros do centro para valorizar o transporte público, os ciclistas e os pedestres.

Tem dias que penso duas vezes antes de sair de casa com a minha magrela. Mas daí penso três e concluo que não vou desistir. Que não vou deixar de fazer o exercício fabuloso de estar de corpo presente na rua, em contato direto com a vida que acontece nas calçadas e fachadas. “A palavra cidadão está relacionada com cidade. A cidade ideal é aquela organizada em torno do cidadão, da participação na vida pública”, nos lembra Rebecca Solnit.

Às vezes eu também dirijo e, porque dirijo, sei o prazer de deixar o carro na garagem e ganhar com as pernas e o peito aberto a cidade que é minha.


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